terça-feira, 30 de julho de 2019

Wagner Gonzalez em Conversa de pista

Wagner Gonzalez

Depois da tempestade, a Hungria

O GP da Alemanha disputado no último domingo surpreendeu por vários aspectos e consolidou pelo menos dois. No primeiro caso destaca-se a chuva que marcou um domingo do verão mais quente da Europa das últimas décadas, fenômeno que afogou os planos e desejos de muitas equipes, em particular a Mercedes, que comemorava 125 anos de automobilismo. No segundo uma nova apresentação marcante de Max Verstappen e o amadurecimento, a duras penas, de Charles Leclerc. 

No próximo final de semana a categoria poderá viver outro fim de semana memorável: o campeonato chega à sua etapa mais quente do ano, o GP da Hungria prova disputada num vale que remete ao relevo de Interlagos.

A corrida em Hockenheim, que pode ter sido o último GP da Alemanha neste motódromo inaugurado nos anos 1960, tinha tudo para ser uma festa antológica da Mercedes. Para celebrar os 125 anos de história no automobilismo a marca alemã produziu até mesmo uma nova coleção de uniformes para toda sua equipe: em lugar das calças pretas e camisas brancas, blazers e gravatas no primeiro escalão e macacões igualmente vintage, com direito a chapéus idem, para os mecânicos. Até mesmo o sisudo Toto Wolff apareceu para trabalhar usando gravata e suspensórios.... Em que pese sofisticados programas para prever a meteorologia, a chuva que compareceu em várias intensidades e diferentes momentos não poupou praticamente ninguém no domingo.

Nem mesmo a decisão em encurtar o percurso da prova de 67 para 64 voltas logo após a largada diminuiu uma longa série de rodadas e batidas durante a corrida. Praticamente nenhum piloto escapou de sair da pista ou rodar e muitos deles acabaram parando de forma inusitada, contra as barreiras de proteção, caso de Nico Hulkenberg (piloto que jamais subiu ao pódio em quase 160 largadas), Valtteri Bottas (que perdeu uma excelente chance de diminuir a desvantagem que o separa do líder do campeonato, Lewis Hamilton) e Charles Leclerc (o monegasco voltou a mostrar velocidade e imaturidade), cada vez mais perto de consolidar como grande rival do vencedor Max Verstappen, outro que também rodou e deu suas escapadas da pista. Em uma atuaçnao para se redimir seu erro crasso na corrida do ano passado, Sebastian Vettel largou em último - cortesia de problemas mecânicos em seu Ferrari durante a primeira fase da prova de classificação - e terminou em segundo.

Diminuir o percurso em 13.722 metros não afetou a indecisão da chuva em sumir ou assumir a condição de garoa garantiu um espetáculo com toques de pastelão e pitadas de despeito ao bom senso envolvendo ninguém menos que a Mercedes e seu mega starLewis Hamilton. O inglês cruzou a última curva do traçado de 4.574 metros para entrar no box inesperadamente após danificar o bico do seu carro – peça pintada em branco, cor oficial da Alemanha no automobilismo, para entrar no clima da festa. O que se viu ali foi uma sucessão de erros jamais esperada para um time até então com uma mão no status de equipe perfeita. O resultado completo do GP da Alemanha você encontra aqui.

Se tudo isso já é passado, o futuro promete mais. Se é erdade que Juan Manuel Fangio eternizou a expressão “corridas são corridas”, síntese de que após a largada tudo pode acontecer, o  retrospecto do GP da Hungria, cuja edição de 2019 acontece domingo, confirma isso e alegra as casas de apostas. Se a prova magiar quase sempre remete a uma procissão, de tão difícil que é ultrapassar no circuito magiar, não faltam momentos espetaculares em seu retrospecto. Da antológica disputa entre Nelson Piquet e Ayrton Senna no primeiro GP do país, em 1986 (duelo vencido pelo primeiro), passando pela quase vitória de Damon Hill a bordo de um nunca competitivo Arrows-Yamaha em 1997 até a fechada de Michael Schumacher sobre Rubens Barrichello em plena reta dos boxes e à vista do público, em 2010, são vários momentos de emoção nessa história.

Aquela corrida de 1986, aliás, marcou a última aparição de um dos maiores jornalistas que representou o Brasil na F-1, o húngaro naturalizado brasileiro Janos Lengyel. Sempre solícito, Lengyel se desdobrou acima do que lhe era possível para ajudar os seus colegas compatriotas e a saúde algo debilitada dos seus 67 anos cobrou caro. Teve um infarto leve na quarta-feira e na sexta outro mais forte, que o levou a ficar internado no hospital local. Trasladado à Genebra, onde vivia, faleceu na semana seguinte. Tive a honra de substitui-lo na Comissão de Imprensa de F-1 da FIA a partir de 1987.

O que torna Hungaroring tão diferente é um conjunto de fatores: a corrida acontece em pleno verão húngaro, após poucas voltas a pista ganha uma trilha limpa que limita as ultrapassagens arrojadas e o traçado da pista de 4.381 percorre um terreno semelhante ao de Interlagos. Se normalmente o clima local nesta época do ano é digno do nordeste brasileiro, a atual onda de calor da Europa transformará as colinas de Hungaroring em um palco ainda mais próximo de Jericoacoara ou Porto de Galinhas, evidentemente sem suas belas praias. O vale onde foi construída a pista impede a melhor circulação do ar, o que implica em maior desgaste físico dos pilotos, e as suas retas curtíssimas mantém os pneus em temperatura mais elevada, o que pode exacerbar ou mitigar problemas deste ou daquele chassi.

Como as curvas são próximas uma das outras, o traçado ideal define uma faixa estreita de pista limpa; em outras palavras, qualquer disputa de freada leva os carros a andar sobre um asfalto mais sujo e menos aderente, aumentando o risco de bater e diminuindo as chances de sucesso. Menos mal que este ano assistimos ao surgimento da grande rivalidade da década, a briga entre Charles Leclerc e Max Verstappen. Para estes dois, após a largada o céu é o lugar mais alto do pódio, o resto normalmente se materializa como um resultado dos infernos.

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