sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Revendas de carros em trajetória de crise

Paulo Ricardo Braga e Pedro Kutney, AB
www.automotivebusiness.com.br
Apesar dos cenários que apontam o crescimento do mercado interno de automóveis para 5 milhões de unidades por ano a partir de 2015, as perspectivas não são nada boas para o segmento de distribuição, que enfrenta a redução de ganhos nas vendas de veículos novos, usados e serviços. O recorde de vendas este ano veio principalmente das vendas diretas a frotistas e o que sobrou para o varejo não foi suficiente para cobrir os custos das concessionárias, principalmente das marcas mais tradicionais do mercado e especialmente quando se trata de pequenos grupos econômicos dedicados ao negócio.

Especialistas de mercado, como Ayrton Fontes, da agência de promoção de varejo automotivo MSantos, desde o começo deste ano vem alertando para as dificuldades dos atores nesse mercado, onde a rentabilidade desapareceu depois da adoção de medidas macroprudenciais do Banco Central, em dezembro passado, e da constante elevação dos juros desde então. Com o encarecimento do crédito e maior aperto na aprovação de novos financiamentos, as vendas de carros novos caíram naturalmente, mas também desapareceram as generosas comissões pagas pelas financeiras às concessionárias, o ingrediente que vinha compensando a margem zero (ou até negativa) sobre o automóvel vendido em si.

Nem por isso, no entanto, as maiores montadoras deixaram de cobrar cotas de desempenho das revendas autorizadas, deixando muitos concessionários em situação apertada. Redes de algumas marcas enfrentam dificuldades mais sérias, levando as associações de marcas a entrar em rota de colisão com os fabricantes, o que não excluiria os líderes de mercado.

Stephan Keese, sócio da Roland Berger, alerta que os problemas com a rede de distribuição podem evoluir e criar conflitos de difícil solução. As dificuldades são maiores em grandes metrópoles como São Paulo, onde se agravou a concorrência entre marcas e entre revendas de uma mesma fábrica. Só em regiões mais afastadas, onde concessionárias costumam atender áreas geográficas extensas com exclusividade, as oportunidades ainda podem ser compensadoras, avalia Keese.

Embora o preço sugerido ao público traga uma margem possível de 8% a 12% ao revendedor, na prática a taxa fica na faixa de 2% a 4%, pois há descontos e custos de promoção. O resultado ainda deve considerar 0,6% a 0,8% de comissão de vendedores e abater custos fixos. Feitas as contas, a margem fica reduzida a algo como 1,7%, ou menos. Além disso há a exigência do cumprimento de metas de desempenho para garantir os bônus de fábricas, o que leva à prática do chamado “rapel”, em que pouco antes do fim do mês as concessionárias emplacam carros mesmo sem vendê-los, para repassá-los adiante no mês seguinte, muitas vezes perdendo dinheiro no negócio.

Vendas diretas em alta, rentabilidade em baixa

O aumento das vendas das fábricas diretamente a locadoras e a frotistas também agrava a queda na rentabilidade das operações, já que as margens destinadas aos concessionários que cuidarão da garantia e assistência técnica mal passam de 0,5% sobre o valor de venda dos veículos. E os negócios nesse segmento atingiram níveis recordes este ano. Historicamente, as vendas diretas nunca foram maiores do que 8% a 15% do total, mas estudo feito pela MSantos mostra que em cinco fabricantes essas transações já variam de 18% a mais de 25%.

Segundo a MSantos, por participação nos emplacamentos, os campeões de vendas diretas de janeiro a julho são a General Motors (342.029 unidades, 26,68% das vendas), Fiat (584.153 e 23,66%), Volkswagen (523.919 e 22,96 %), Ford (227.379 e 19,27%) e Renault (120.249 e 18,38%). “Com a forte desaceleração no varejo, as principais montadoras intensificaram os negócios com frotistas como nunca antes, garantindo assim os aumentos verificados mês a mês nos licenciamentos de veículos”, explica Ayrton Fontes.
Para piorar o cenário, com o aumento das vendas a frotistas, as concessionárias também ganharam um importante competidor: as revendas de seminovos de locadoras como Localiza, Unidas e outras. Segundo Fontes, elas podem obter descontos altos, que chegam a até a 30% do preço de tabela, fazendo do comércio de carros usados uma rentável atividade. “As locadoras são obrigadas a manter por seis meses os veículos em seus ativos e depois já podem comercializá-los, o que incentivou o aparecimento de grandes redes de varejo de seminovos que concorrem com os novos”, diz.
Mudança dos tempos

O setor de distribuição já viveu dias melhores, especialmente quando a produção não conseguia atender a demanda interna e havia enormes filas de espera para entrega das encomendas. Nos anos 1970 e 1980, por exemplo, era comum o comprador se contentar com qualquer versão dos veículos que chegavam ao ponto de venda, engolindo até as piores cores, para poder ficar com um carro novo.

Hoje o cliente tem ampla possibilidade de escolha e a importação crescente força a queda nos preços. Na hora de financiar o veículo, no entanto, ele ainda paga despesas que às vezes nem percebe estarem embutidas na compra. São contabilizadas aí a comissão que a concessionária recebe (ou recebia) da entidade de crédito que faz a operação de financiamento (de 4% a 8%) e a taxa de abertura de crédito. Era esse ganho financeiro que vinha garantido o fôlego de muitas revendas, que tratam de promover também as oficinas e a venda de peças no balcão.

Enquanto a crise vai se arrastando no varejo automotivo, as revendas recorrem à criatividade para perder menos. A mais nova moda do varejo automotivo pegou, como mostrou Automotive Business . Concessionárias de marcas concorrentes têm promovido feirões de rua em conjunto na cidade de São Paulo, para dividir os custos de publicidade e desovar os estoques que chegaram em níveis preocupantes. Dias 16 e 17 de julho, por exemplo, lojas da Nissan, Chevrolet e Fiat fecharam parte da Avenida Nazaré, no bairro do Ipiranga. No fim de semana seguinte as mesmas marcas se juntaram para vender carros novos e usados na Avenida Joaquina Ramalho, Vila Guilherme. E Fontes garante que a MSantos já tem vários clientes na fila para promover eventos parecidos.


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