terça-feira, 1 de julho de 2014

Wagner Gonzalez - Conversa de pista

O pior cego é o que não quer ver
Tempos de escola primária, aquela hoje em dia conhecida como “de primeiro grau”, e a professora apresenta um texto com o título acima. Foi uma boa oportunidade para apresentar a um público infantil o quanto é importante dedicar atenção ao que acontece no presente que nos envolve e refletir sobre o futuro que nos envolverá. Uma aplicação prática disto é a atual situação do automobilismo esportivo dentro e fora de nossas fronteiras: nunca se vendeu tantos automóveis quanto hoje, nunca o esporte definhou como agora. Esqueça a já combalida parábola do copo meio-cheio-meio-vazio: mais pessoas conduzindo automóveis deveria significar um aumento, ainda que nominal, de gente praticando o automobilismo. Nem mesmo o excesso de categorias chega a amenizar tal encolhimento de mercado.

Semana passada aconteceu mais um encontro dos cartolas da FIA, a Federação Internacional do Automóvel. O clima alegre e descontraído de Munique – cidade bávara que muita gente celebra como a mais italiana da Alemanha e outros mais numerosos ainda lembram como casa da BMW -, ajudou a entidade a lançar propostas, ainda que mais ou menos informais, que possam reverter tendências que impedem o crescimento do esporte ao mesmo ritmo do que crescem a tecnologia embarcada no automóveis em circulação. Custos cada vez mais altos para quem começar a competir, identificação e formação de ídolos e o impacto dos games eletrônicos foram alguns pontos levantados.

O mais curioso é que essas propostas não foram apresentadas pelos presidentes dos clubes e organismos que representam a FIA em seus respectivos países, entre eles a Confederação Brasileira de Automobilismo. Muitos dos presidentes, os que votam nas assembleias para decidir possíveis mudanças não raramente desperdiçam a oportunidade para exercitar seu poder,  algo que acontece por motivos tão simples quanto conveniência ou, pasme, não se comunicar em outro idioma… Este ano o Brasil foi representado oficialmente pelo presidente da CBA Cleyton Pinteiro e pelo piloto Felipe Giaffone, ex-integrante da Comissão Nacional de Kart e que, de acordo com o site da entidade, atualmente não ocupa nenhum cargo. Emerson Fittipaldi também esteve presente no congresso, porém seu envolvimento está mais próximo da campanha de segurança viária da FIA.


Quem fez as colocações mais pertinentes à atual situação do automobilismo internacional foram dois ex-pilotos e um empresário outrora ligado a partidos políticos da direita européia. Os pilotos em questão foram o italiano Emanuele Pirro (com passagem pela F-1 e cinco vitórias na classificação geral em Le Mans) e o indiano Karun Chandhok, que este ano vai representar seu país no Campeonato de Fórmula E. A inédita categoria, cujo campeonato começa dia 19 de setembro em Pequim, é presidida por Alejandro Agag, o empresário já mencionado. Pirro foi, de longe, o mais incisivo ao se posicionar:


“Eu não vejo como alguém consegue se identificar com um piloto que aparece limpinho e perfumado após uma corrida e não passa a impressão que batalhou durante a corrida.”

Chandhok, que será parceiro de Bruno Senna na equipe Mahindra, mencionou que o alto custo inicial para começar a praticar o esporte e a falta de infraestrutura em países emergentes são obstáculos que devem ser considerados para trazer novos fãs. Já Agag, que desponta como um líder político e empresarial do esporte, demonstrou como vê o futuro:

“Na estruturação da F-E estudamos a fundo o comportamento dos jovens e vamos inclusive adotar um sistema onde, através da internet, os fãs poderão votar para o piloto que poderá usar potência extra durante um certo momento da prova, algo inspirado no game Super Mario.”

Por mais paradoxal que tal conceito possa parecer, a internet chegou para ficar no esporte a motor. A Nissan desenvolve um programa, o Nissan GT Academy,  onde o inglês Jann Mardenborough saiu vencedor entre cinco finalistas escolhidos em provas de… video game. Christian Fittipaldi, há muito radicado nos Estados Unidos, certo dia comentou comigo que um dos maiores problemas para atrair os jovens a praticar o automobilismo é que “eles não querem curtir a mesma coisa por mais de meia hora”, opinião que tem uma boa dose de conteúdo.

Há também quem diga que o atual declínio de espectadores é consequência pura e simples do domínio exercido pela Mercedes: é fácil identificar a recorrência de situações similares: Red Bull (no período 2010/2013), Ferrari (2000/4), McLaren (1984/91, com exceção de 1986, quando triunfaram Williams e Nelson Piquet) e outros períodos menos acachapantes ainda frescos na memória de quem segue a F-1. A circunstância que se apresenta como mais crítica desta vez não diz respeito unicamente à superioridade de A, B ou M: o que preocupa é o aumento absurdo de custos que se soma à diminuição brutal de novos espectadores. Em ambos os casos tendências há muito detectadas e ignoradas.

Cereja do bolo, menina mais bonita do colégio e outros atributos similares, a F-1 é um eterno trend topic, para defini-la em internetês; mesmo assim, por questões econômicas a internet sempre foi castrada como forma de comunicação bem-vinda ao circo. Com as transmissões de TV cada vez mais priorizadas para emissoras a cabo a audiência ficou ainda mais contida, dado que a Europa – o principal mercado consumidor da categoria -, vive um período de crise econômica. Isso levou os grandes anunciantes, patrocinadores e equipes a cobrar uma mudança de rumo, afinal, com a queda do número de telespectadores e internautas cai também a audiência e as únicas coisas que aumentam é o preço de investimento e as dificuldades para justificar o investimento na categoria.

Décadas atrás, quando ainda escrevia no jornal O Estado de S.Paulo, publiquei que a política mercadológica de Bernie Ecclestone era tornar o seu produto dada vez mais exclusivo, numa equação que elevaria o desejo mundano de desfrutá-lo e, consequentemente, vende-lo mais caro. Isso funcionou por um bom tempo mas o ciclo acabou e já ouvi de diretores de marketing que a relação custo-benefício de um camarote no paddock club não se justifica com os negócios gerados durante a oportunidade de interagir com clientes potenciais.




No caixa das equipes a situação não é muito melhor. A McLaren – até pouco tempo atrás a equipe que possuía o melhor departamento de marketing da F-1 -, está sem patrocinador principal nesta temporada e Ron Dennis já deixou claro que o salário de Jenson Button exige que ele consiga melhores resultados. Excetuando-se Mercedes, Ferrari e Red Bull todas as demais escuderias não podem ser consideradas sadias em termos financeiros. Pior: Lotus e Sauber estão próximas de um ataque cardíaco,  a Marussia só sobrevive porque o pai de Max Chilton está bancando a carreira do filho e a Caterham deve trocar de maõs em questão de horas. 

Entre os fabricantes de motores a Renault vê seu departamento Renault Sport envolto em boatos de que poderá ser vendido ou, muito pior, liquidado, algo que encaro com alguma reserva…



E nesse clima a FIA anuncia para 2015 mudanças para reduzir gastos e aumentar o espetáculo que podem ser taxadas, com algum otimismo, de brandas, a saber:

O número de motores disponível para cada piloto por temporada passa de cinco para quatro; caso o calendário de 2015 tenha 21 ou mais corridas, sera liberado um quinto motor. Quem trocar de motor entre os treinos e a corrida largará na última fila do grid e não mais dos boxes.

O número de horas de testes em túneis de vento será reduzido de 80 horas semanais para 65, sendo que apenas 25 para testes dinâmicos e o restante para montagem e calibração dos equipamentos;  a quantidade de dados usados em ensaios CFD será reduzida de 30 teraflops para 25 teraflops. As equipes deverão determinar um túnel de vento para ser usado e poderão usar o equipamento em dois períodos diários ao invés de apenas um.

Os testes pré-temporada acontecerão em três sessões de quatro dias e apenas na Europa. Dois dos quatro dias de cada teste deverão ser reservados para novos pilotos.

Durante o fim de semana os carros deverão entrar em regime de parque fechado a partir do início da terceira sessão de treinos. E o trabalho noturno será proibido por sete horas, uma a mais que atualmente.  O uso dos aquecedores de pneus continua liberado para 2015 e o assunto será discutido novamente quando for aprovada uma troca no aro das rodas, o que pode acontecer em 2017.

As re-largadas serão dadas com os carros parados no grid, exceto se a intervenção safety-car ocorrer duas voltas após o início da prova, após uma re-largada ou faltando menos de cinco voltas para o final.

As regras referentes aos bicos dos carros serão alteradas para facilitar obter soluções de maior segurança e melhor estética. Peças de titânio poderão ser instaladas nos carros e as travas de rodas deverão ter sistema de fixação de dois estágios. Novas regras serão implementadas para garantir que a velocidade de rotação das rodas e dos discos de freios sejam iguais.

Fica a pergunta: a FIA e a FOM querem realmente ver o que está afastando o público dos autódromos?


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