Pedro Kutney, AB
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A elevação substancial das exigências dos bancos para aprovação de financiamentos atingiu em cheio o principal motor do mercado de veículos. As vendas começaram 2012 andando de lado, com leve queda de 0,2% no acumulado do primeiro bimestre e recuo pronunciado de quase 7% na primeira metade de março (sempre em comparação com o mesmo período de 2011). Como cerca de 70% dos carros vendidos são financiados, os negócios empacaram.
“Ao contrário do que acontecia no passado recente, quando qualquer consumidor com a ficha limpa conseguia aprovar seu financiamento, hoje os bancos estão bem mais exigentes; só aprovam fichas ‘prime’, com comprovação de renda, carteira assinada, estabilidade de emprego e moradia”, diz o economista Ayrton Fontes, consultor independente especializado em varejo automotivo.
Os números do Banco Central comprovam o movimento para trás das financeiras: em janeiro passado o valor dos contratos ativos (estoque de crédito) para aquisição de veículos no País somava R$ 200,9 bilhões, um avanço de 8% em relação ao mesmo período de 2011, enquanto o volume total de empréstimos do Sistema Financeiro Nacional (SFN) cresceu mais que o dobro disso (18,4%). A comparação dos dois porcentuais mostra clara desaceleração na concessão de crédito para a compra de veículos.
Fontes conta que diversas concessionárias, que antes trabalhavam com uma só financeira, hoje enviam pedidos de abertura de crédito a três ou quatro, na esperança de tentar a aprovação da ficha em alguma delas. “Isso acaba complicando a vida do solicitante, pois existe monitoramento bancário on-line que informa as passagens do cliente por esse caminho, dificultando ainda mais a aprovação”, revela.
O comportamento restritivo das financeiras está diretamente ligado ao aumento da inadimplência. Os atrasos acima de 90 dias no pagamento das prestações atingiu 5,3% dos contratos ativos em janeiro, crescimento expressivo de 2,7 pontos porcentuais em relação à mesma época de 2011. A Anef, associação das financeiras ligadas às montadoras, avalia que a inadimplência chegou ao seu pico e esse quadro deve se reverter daqui por diante. Enquanto isso não acontecer, contudo, os bancos deverão continuar apertando as exigências.
Existe mais um complicador que deixa os bancos arredios ao risco: a dificuldade de execução de garantia em caso de inadimplência, que é o próprio veículo financiado. “Hoje temos um cenário confuso na retomada de veículos dos inadimplentes com mais de 90 dias de atraso, pois os devedores questionam na Justiça os valores exorbitantes cobrados na concessão do financiamento, no ato da compra do bem, quando eram embutidos os retornos (comissões) de financiamento pagos à vista aos concessionários, além da cobrança indevida das chamadas taxas de abertura de crédito”, explica Fontes.
A nova realidade do crédito restritivo já mudou a face do varejo automotivo no País. “No passado recente os bancos eram os maiores investidores em feirões realizados por concessionários, bancavam quase toda a operação, montagem, publicidade e demais despesas, com o objetivo de vender seus financiamentos. Agora as financeiras praticamente abandonaram esse tipo de ação. Somente as montadoras estão realizando feirões, desviando verbas publicitárias institucionais para ações de varejo. As coisas estão mudando”, avalia o consultor.
PERSPECTIVA OTIMISTA
Apesar do tropeço no primeiro trimestre do ano, a maioria dos analistas aposta que o governo não deixará a peteca do consumo cair – como já aconteceu na crise de 2008/2009. Nesse sentido, a máquina do crédito já começou a ser lubrificada pela queda mais pronunciada dos juros – no início do mês o Banco Central acelerou o corte do juro básico (Selic) e derrubou a taxa pela quinta vez seguida em oito meses, desta vez em 0,75 ponto porcentual, para 9,75% ao ano. Boa parte das estimativas converge para uma taxa de 9% já a partir de julho, ficando nesse nível até o fim de 2012.
Essa já seria “a confirmação de que 2012 vai surpreender positivamente”, segundo o último boletim da consultoria autoAnálise, dos economistas Francisco Trivellato e Francisco Mendes, ambos especializados em gestão dos negócios de distribuidores de veículos. “O mercado continua com os fundamentos para o crescimento sólido, faltando apenas o equacionamento da política de financiamento do varejo, que ocorrerá em breve”, escreveram eles em fevereiro. A queda mais rápida do que o esperado da taxa de juro, para Trivellato e Mendes, comprovaria a tese do “futuro promissor”.
“O governo antecipou em pelo menos seis meses o nível previsto para o juro básico da economia, certamente preocupado em recuperar, ao mesmo tempo, consumo, ritmo de expansão econômica e conter a valorização do câmbio”, diz o boletim autoAnálise deste mês. “A tendência de comportamento do juro básico está confirmada, devendo ficar em média 1 ponto abaixo do esperado ao longo do ano, restando somente para viabilizar as vendas a volta do apetite dos bancos em emprestar”, ponderam os economistas.
O Banco Central tem ainda à mão a redução dos depósitos compulsórios, que foram elevados em dezembro de 2010 para financiamentos longos e sem entrada, o que encareceu o crédito, elevou o grau de exigência para aprovação de financiamentos e tirou do mercado de zero-quilômetro a chamada classe média emergente. Calcula-se que esse impacto pode ter sido de 300 mil compradores a menos em 2011. Com as vendas em queda, o BC poderá afrouxar as regras, como já fez no passado.
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