Alessandra Saraiva e Sergio Torres / RIO - O Estado de S.Paulo
Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a inflação acumulada do álcool anidro atingiu em 2011 o maior patamar em oito anos em um mês de junho. Em comportamento atípico para o período de safra de cana-de-açúcar, o produto no atacado subiu 46,08% em 12 meses.
Feito a pedido da Agência Estado, o estudo indica que o impacto chegou ao varejo e elevou os preços do álcool combustível e da gasolina para o consumidor. O álcool anidro é usado na mistura da gasolina.
O quadro de preços altos e carência de oferta de etanol tende a se manter nos próximos dez anos, revela outro estudo, feito pela consultoria Projeto Brasil Sustentável, especializada no segmento sucroalcooleiro.
Mantidas as recentes taxas de evolução do setor, nas próximas cinco safras, haverá déficit de mais de 25% da oferta de etanol em relação à demanda. A produção anual estimada será de 780 milhões de toneladas de cana, enquanto o mercado só estará bem atendido com um mínimo de 980 milhões de toneladas.
Na extensão do cenário para dez safras, a situação piora. Em 2021, a oferta de etanol estará 40% menor que a necessidade do mercado. A safra será de 970 milhões de toneladas para um consumo superior a 1,3 bilhão.
A atual oferta de cana não consegue atender à crescente demanda por açúcar e etanol, alerta o coordenador de Análises Econômicas da FGV, Salomão Quadros. "Os preços deveriam estar caindo nesta época."
O anidro mais caro afeta a evolução dos indicadores inflacionários do varejo. O preço do etanol gerou uma migração de consumidores para a gasolina, que também tem anidro na fórmula.
No Índice de Preços ao Consumidor - Brasil (IPC-BR), calculado pela FGV, o álcool combustível acumula alta de 29,12% em 12 meses, também a mais elevada em oito anos. A gasolina subiu 7,70%, o mais forte aumento em cinco anos para o período.
No Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de julho, prévia do IPCA, referência como meta inflacionária, os combustíveis tiveram trajetória incomum, diz a coordenadora de índices de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eulina Nunes dos Santos.
O preço da gasolina caiu 3,43% em junho e 1,49% em julho - reduzindo pela metade o ritmo de queda. Já o etanol subiu 1,79% em julho, após cair 16,53% em junho. Juntos, os combustíveis respondem por cerca de 4,5% do IPCA e normalmente recuam nesta época do ano, segundo a coordenadora. "Pelo que observamos na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o peso do etanol tende a aumentar no IPCA", disse Eulina.
Área plantada. A cana ocupa cerca de 7 milhões de hectares (2% da terra arável do país), de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Antes da crise global de 2008, a área plantada de cana crescia 10% ao ano. Cresce hoje de 2% a 3%.
Desde 2008 o setor amarga menos crédito à indústria e não recuperou níveis de investimento do pré-crise, lamenta o presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), Ismael Perina Júnior.
"Sem novos investimentos, a produtividade cai. E tivemos problemas com o clima. Em 2009, chuvas constantes. em 2010, secas. Este ano, geadas afetaram a qualidade da cana e reduziram o potencial de produção de açúcar". A projeção de produção de cana do Centro-Sul do País na safra 2011/12 caiu de 560 milhões para 530 milhões de toneladas.
Com a menor oferta, o governo discute com a iniciativa privada a redução da mistura de 25% do anidro na gasolina, o que não é comum para esta época do ano. "Isso não elevará a oferta de cana. Temos hoje a mesma oferta que tínhamos há três anos, enquanto a demanda cresce", disse Antônio Pádua Rodrigues, diretor da Unica.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) calcula que a demanda por etanol triplicará em uma década. Passará de 27 bilhões de litros em 2010 para 73 bilhões em 2020.
As incertezas diminuíram o ritmo de abertura de novas usinas de etanol. Hoje são 426 no país. E a cada ano, surgem menos: 30 em 2008, 19 em 2009, 10 em 2010 e quatro em 2011.
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