Um raro – e caro – Mercedes-Benz, 680S, maior da marca à época, um dos sete torpedos feitos Cabriolet pelo encarroçador francês Jacques Saoutchik, do casal texano Paul e Judy Andrews, foi o Best of Show no, sem trocadilho, o Best dos Shows de automóveis antigos, o Pebble Beach Concours d’Elegance. PB é prainha espremida entre Carmel e Monterey, amplo campo de golfe, 36 buracos, na Califórnia, EUA.O critério de julgamento, com juízes especialistas foca primacialmente originalidade e autenticidade, enquanto o Juri Honorário, de convidados com larga vivência em automóveis, considera design, estilo, elegância. Vencedores são os melhor classificados pelos dois colegiados.Assim, os outros indicados como Best foram Duesemberg 1935 J Gurney-Nutting Speedster do poderoso incorporador William Lyon; outro Dusy 1933 J carroceria Derham Tourster; e o primoroso e ex vencedor no italiano Villa d’Este, o Alfa Romeo 1933 6C, 1750 Grand Sport com carroceria anterior à sociedade com odott. Falaschi.
Diferencial
O Concours é festa refinada, disputada, e nos 62 anos de realizado tornou-se motor da economia ao puxar outros eventos – leilões, corridas no vizinho circuito de Laguna Seca, elegante exposição com leilão no Quail Lodge, o Concorso Italiano, para os carros desta nacionalidade, mantido por patrocínio da Fiat, agora de volta ao mercado norte americano com o pequeno 500 mexicano, e leilões de arte, venda de arte, automobilia. São, no mínimo, vinte eventos entre quarta e domingo.A relação custo-benefício é onerosa a participantes e visitantes. Um ano de preparação, todos os detalhes absolutamente impecáveis, quase sempre ultrapassando a originalidade. Coisas da América de cima, a festa pela festa, que dura das 8 às 17h do terceiro domingo de agosto.
Gente, muita gente, gente. O usual nos primeiros 60 anos de existência era acomodar 150 veículos, escolhendo temas, receber visitantes que até dois anos passados pagavam US$ 100 para entrar. Ano passado, motocicletas, e neste, os veículos chegaram a 220. Sem reclamação o preço do ingresso subiu a US$ 200 e, surpresa, o número de visitantes foi enorme, inquantificado, exigindo criar mais de dezena de bolsões de estacionamento com operação organizada à Disney; fazer ponte rodoviária com ônibus recolhendo visitantes. Gente em quantidade incômoda, tornando impossível observar os carros, exigindo exercício de paciência hindu. Aliás, um dos temas do Concours deste ano, “Automóveis de Marajás” – nada a ver com os alagoanos mirados pelo ex-presidente Collor – mas os autênticos, alguns com os próprios e, até, um com marajá da economia, RatanTata, um dos maiores empresários da Índia, dono da maior montadora de lá. Os carros de Marajá simbolizam a soma da distinção, poder econômico, descoberta do automóvel como elemento complementar aos símbolos do poder. São unidades especiais, construídos sobre mecânica distinta, forte, com detalhes de personalização que escapam ao gosto ocidental. Madeiras finas, ouro, pedras preciosas … Alguns dos automóveis ainda pertenciam às famílias originais, presentes com entourage, e outros de colecionadores que lá compraram. Dois vencedores, um marcas em geral, outro Rolls-Royce, um 1925 Phantom I carroceria Barker Sports Torpedo Tourer, do Honorável Sir Michael Kadoorie, de Hong Kong.
100 prêmios, mais que proporcionais aos 220 participantes de 15 países, indicaram tremor no ponteiro da bússola da organização. Não apenas pela relação de quase 50 % dos presentes ter prêmio, mas por escolhas curiosas. Um norte americano, usual em PB, disse com acidez britânica, o critério de premiação considerou, basicamente, o patrimônio dos participantes acima de US$ 1B.
Interessantemente os norte-americanos começaram a prestigiar os de pequena fabricação, esforçadas iniciativas do pós Guerra para montar carrocerias atrativas em fibra de vidro sobre mecânicas pré conflito, criando novidades no quando a produção não atendia a demanda.
Nestes, um Kurtis-Omohundro Coupé Roadster, modelo esculpido em chapa, para cópias em fibra de vidro, propriedade de Geoffrey Hacker, historiador e colecionador destes veículos.
Também o Glaspar, montado sobre chassi de Rural Willys, inspirador do Chevrolet Corvette, e o Maverick – não o Ford conhecido, mas carroceria especial sobre chassis Cadillac. A registrar os carros especiais como carrocerias Saoutchik, Figoni, Figoni e Falaschi, Pininfarina, usualmente exemplares únicos. E ilhas pontuais com Ferraris negros; os Cobra da história Shelby, incluindo quase toda a frota – das seis unidades construídas – do Cobra Coupé. Importante aos admiradores dos esportivos dos anos ’50, um exemplar do Fiat 8V – 114 produzidos; e dois do espanhol Pegaso – menos de 100.
Parte social, típica aos negócios nos EUA, PB recolheu entre contribuições e leilões de carros novos, US$ 1M077. Do total, US$ 50 mil por Jay Leno, do Tonight Show, da venda de ingressos para o seu programa. No leilão da Gooding levou Fiat 500 Prima Edizione, carrinho de US$ 25 mil, dizendo de sua propriedade, e por ele conseguiu US$ 385 mil, além de US$ 215 mil de doações, total canalizado para a associação dos Veteranos de Guerra. O cara é ele.
Motos mantém espaço especial, em gramado e tenda. Nesta edição, além do Reitwagen, exemplar pioneiro feito por Gottlieb Daimler em 1885, e da vitória de BMW 320, a imbatível curiosidade da Megola, de 1922, desenvolvida por engenheiro aeronáutico, design avançado para a época, motor 2T, radial, cinco cilindros, colocado dentro da roda dianteira.Como quantidade é inversamente proporcional à qualidade, houve queda na elegância e apuro observado com ascensão da descontração, minguando o espetáculo dado por mulheres vestidas com o apuro de um Derby à beira mar. Pouco vistas, sufocadas pela massa.
O evento parece uma evolução educada do Movimento dos Sem Terra, alastrando-se como metástase em terra alheia. A versão norte-americana, civilizada, não preda, paga caro pelo aluguel fugaz e não manda a conta para o governo federal. Neste ano haviam 10 montadoras com lançamentos, versões, agendando test-drives, servindo coquetéis e informações aos visitantes. Um verdadeiro salão do automóvel ao ar livre.
O afluxo de brasileiros vem-se incrementando. Ótimo para o nosso antigomobilismo amador. A visita é didática, esclarecedora de como eventos bem organizados podem ser rentáveis. De jornalistas, os três usuais – Boris Feldman, do Estado de Minas, Fábio Amorim representando a Gazeta de Alagoas, e eu -, e visitantes e participantes dos leilões, sem convites a expor. Enciclopédia ferrarista, André Biagi circulava entre os da marca, sem indicar se aumentara a coleção. O mineiro Antônio Henriques, o Tão, fugiu da disputa dos leilões e adquiriu Lamborghini Islero a um broker para fazer par com seu modelo 400. Para considerar, a legislação que permite importar usados antigos, serve para isto: trazer veículos que ilustrem a história mundial – ao contrário do fundo da tropa atualmente praticado, com carros inexpressivos para quem quer brincar de carrinho. O jovem argentino Calilo Sielecki salvou a honra do Mercosul e levou o terceiro prêmio na categoria A1 – Small Horse Power, com Franklin Open Four Seater. A família é habitual expositora, e em 2011 foi segunda na relação dos Best.
Numa síntese da mudança de público, como disse jornalista especializado, frequentador de PB, “baixou o espírito da muvuca”. Rex Parker, designer e car guy californiano, agora naturalizado brasileiro, concorda: há desequilíbrio entre o número de visitantes e a qualidade do evento.
Para descrever todos os leilões e eventos de Pebble Beach exigiria alentada revista, pois há de tudo, incluindo exposições de arte e de automobilia, além de feira elegante e especializada, com modelos em escala de perfeição irritante; roupas sob medida. Um argentino vendia calças para pilotagem Suxtil, como as usadas na década de ’50 por seu compatriota Juan Manuel Fangio – embora dificilmente mais de 5% dos presentes soubesse quem foi El Chaco, El Quintuple, o penta campeão mundial na pré Fórmula 1.
O programa PB
Num resumo a ampla programação começa na quarta com eventos parasitas aos de origem, como os passeios, exposição de Ferraris com degustação de vinhos, mostra de carros alemães, leilões de veículos, automobilia, exposição de arte, leilões, corridas em Laguna Seca. Sob o carimbo Pebble Beach começa na quinta feira com passeio de 100 km com os carros a ser expostos. A série de leilões exige pré inscrição para lances, e se dividem por classes e preços: Bohrams e Gooding rivalizam no topo, o primeiro, junto com a exposição do Quail, buffet de primeira qualidade, US$ 400 para duas pessoas. No Gooding entrada a US$ 40; RM com os classe A e B, cobrando US$ 50 para pré visita; Russo and Steele com esportivos, carros especiais e fecha com Mecum, dos veículos mais baratos.
Neste ano, se Pebble Beach aumentou a frequência nuns 500%, nos leilões houve queda nos veículos oferecidos e na média e pico de preços, exceto para registro como no leilão do Goodings, onde um Mercedes bateu recorde de preço no final de semana: um invejável 540K, ex Baronesa Krieger, guardado em condições operacionais desde a década de ’60, recordista US$ 11M770 – o veículo mais caro dentre os leilões e o maior preço já atingido por este modelo, para muitos o automóvel mais belo do mundo. Nos EUA os valores são acrescidos de 10% de comissão ao leiloeiro e 7% de imposto estadual. Neste ano apenas um brasileiro fez compra no leilão RM – Porsche 1960, 356B Roadster por US$ 190 mil. Caro. Leilões e o tesão que os alimenta não tem parâmetro de lógica. No mesmo RM um raro e especial Maserati 1962 3500 GT, carroceria especial e passado com história, muito superior, fez o leiloeiro suar para conseguir US$ 125 mil.
Pontualmente
Atrações paralelas, jantar da Mercedes-Benz, é divisor de águas. Quem é convidado é VIP. Quem não, não. Há o Concorso Italiano, para as máquinas do país. É o descompromisso latino em organização e nesta edição manteve-se fraco, misturando automóveis antigos com novos. Márcio Rosa, o Baby, colecionador de Alfas, frustrou-se: pagar US$ 90, andar longo trecho entre os gramados e a exposição, sem ver novidades ? Não dá, resumiu. Melhor ir a Brasília para ver TIMB e Onça …
No sábado o sol sobre o Circuito de Laguna Seca brilha – e doura e queima – fãs das corridas. Mais de 1.000 ! carros de competição alinhados em baterias por categorias, instigam os sentidos. Para entrar ou acampar, US$ 70. Para acesso aos boxes, mais US$ 20.Visão, olfato, tato para ver, sentir o cheiro de gasolina sem álcool, poder conversar e sapear nos boxes. Monumentalidade de gente vai para acampar ou vai tomar sol e alegrar a alma –, entrar nos boxes e ver de Ford Modelo T dos anos 10, a Fórmula 1 da década 70, e Porsches, Alfas, Austin Healeys, e coisas como Porsche 908, Ford GT 40, e os carros da Nascar dos anos 60 e 70.
Sensação ambígua entre a alegria pelos veículos referenciando sua evolução, e a tristeza com o descompromisso brasileiro ao liquidar sua história. É impossível fazer uma bateria com nosso antigos carros de corrida. Todos sumiram, desmanchados, re montados como carros normais, e vendidos, ou exportados. Desprezamos nossa história e, lamentavelmente o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não inibe as exportações de nosso patrimônio. No tema, lá estava o Alfa Romeo GTA ex Piero Gancia, antes branco e agora vermelho. Atual proprietário, o brasileiro Fred Dellanotte o mantém nos EUA, onde o comprou pós exportação.
Goste-se ou não, os norte-americanos sabem agitar e faturar. Todos os eventos enfatizavam os AC, AC Cobra, Cobra ou Cobra Coupé, todos permeados com a vida de Carrol Shelby, há pouco desaparecido. Além dos eventos em Pebble Beach, em Laguna, incontáveis barracas vendiam camisetas, bonés, casacos, posters, cartas para baralhos, livros, vídeos, adesivos, retratos, gravatas, rifas para Cobra O Km. Rifava-se, até, livro autografado por Shelby, ao qual se atribuia o valor de US$ 4 mil. Sobre o Cobra Coupé, Peter Brooke, designer, 80, vendia e dedicava seu livro, e uma barraca pedia doação para a Fundação Carrol Shelby. Os caras faturam até com cadáver.
Indaga o leitor: vale a pena ? Até a edição passada recomendava concretamente a presidentes de clube e futuros aprendessem, observassem e absorvessem o profissionalismo dos eventos, em especial PB. Entretanto, neste ano, com o desequilíbrio entre espaço e visitantes, o evento master ficou prejudicado. Mas tirante o olhar especializado, é uma boa, divertida, movimentada semana de férias, imbatível em novidades, fatos, casos.
Roda-a-Roda
De volta – Após vender ao exterior os mais representativos automóveis de Maharaja e Maharani – a dona Marajá -, e carros importantes de seu país, a ascensão econômica fomenta surgir o antigomobilismo indiano. Re compram-nos no exterior, levando-os à Índia para formar acervo.
Lição – Esta bobagem a gente conhece. Exportamos muitos veículos estelares – e continuam sendo mandados para fora – e trazemos uns gatos pingados, a maioria porcariada inexpressiva – Camaros, Mustangs, Cadillacs, Mercedes, Porsches – repetidos e sem história.
Indústria – Pebble Beach tem patrocínio de dez montadoras, que entendem importante mostrar-se ao qualificado público visitante e associar sua marca a história e qualidade. Adesão importante, Ratan Tata, líder empresarial indiano que coloca seus pés e negócios no mundo.
Sensibilidade – O professor Antônio Anastásia, governador de Minas, fez o que seus antecessores dispensaram: desfilar o Sete de Setembro em veículo antigo. Pediu ao colecionador Pacífico Mascarenhas, empresário, compositor, 82, cedesse e conduzisse o Packard Convertible Sedan 1937, carroceria especial por Dietrich, que serviu ao Governo do Estado. Achado num ferro velho, resgatado por Mascarenhas, o primeiro antigomobilista de Minas.
Corre – Pacífico mobiliza amigos para trazer tudo o que pode enguiçar. Conseguiu a amigo carburador novo em loja californiana, e portador da fundamental, enorme e pesado componente, trouxe-o na mão, em seu vôo de primeira classe, para evitar extravio.
Museu – O Governador Anastasia é um dos agentes de instalação do Museu do Automóvel em MG. Patrocínio da Fiat, acervo dos colecionadores do Veteran Car Clube do estado. Bom exemplo. O Brasil tem 27 estados, um Distrito Federal, quase 30 montadoras, e apenas uma patrocina museu da especialidade num estado. É pouco, em especial no país onde o lucro das montadoras é o maior do mundo e o retorno social, se há, é pífio.
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