terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Wagner Gonzalez em Conversa de pista

Wagner Gonzalez
INTERLAGOS, ETERNA E INACABADA REFORMA

Fim de semana em Interlagos mostrou como é triste a maneira que a prefeitura da cidade cuida do seu patrimônio e o quanto os responsáveis pelo esporte precisam melhorar. Quem sabe a nova Old Stock possa ajudar nisso; falece o Prof. Rubens Carpinelli.



Tinha tudo para ser um fim de semana sem lamúrias ou chororô. Afinal foi o evento do ano e, possivelmente, o derradeiro dos boxes atuais, incluindo a estréia de uma nova categoria. Só que o que se viu em Interlagos foi um retrato claro da irresponsabilidade com que se gasta o dinheiro público e a maneira como alguns integrantes de uma comunidade outrora marcada pela camaradagem atua na prática do esporte. Em uma palavra, lastimável.

Sigo o automobilismo paulista desde os anos 1960, o que me permite fazer comparações, comentar sobre mudanças e incentivar uma discussão a respeito. Se queremos um automobilismo saudável, com perspectiva e que seja viável dentro do contexto atual, é preciso união e muito trabalho. Sem mencionar que o status quo do esporte precisa, necessariamente, mudar toda a sua estrutura e aqui é o primeiro dos problemas.

O poder do automobilismo paulista está concentrado nas mãos de poucos e comandado por uma federação que é administrada por esses mesmos poucos. Alguém poderia dizer que por serem poucos não podem fazer muito, evidentemente um comentário jocoso: se há vontade, é possível. O que se viu nos últimos e penúltimos tempos é a postura de que vale mais a pena investir R$ 1 para ganhar R$ 2 do que investir R$ 2 para ganhar R$ 10. Longe vão os gloriosos tempos quando o Centauro Motor Clube organizava provas curtas e longas com pompa e circunstância; os cartazes que promoviam as grandes corridas eram objeto de desejo de qualquer entusiastas que honrasse esta condição. Até hoje rogo praga às traças que devoraram os pôsteres que consegui naquela época. Se alguém tem a foto ou um exemplar, que entre em contato por favor.

Por que falo sobre isso? Passei o último sábado em Interlagos circulando pelo paddock e pelas arquibancadas. Na parte detrás aos boxes vi um reforma mal acabada e digna de fazer passar vergonha quem tem um mínimo de carinho por Interlagos. Terraços com espaços abertos, banheiro com pia quebrada, sem luz e com mau cheiro de fazer toalete de rodoviária do interior parecer loja de perfume, particularmente o feminino.

Quando chove, como aconteceu nos dois últimos sábados, entra água nas salas recém-construídas, aquelas do fundo do paddock. Quem subiu à torre jura que viu pisos alagados…

Vamos aos boxes. Existe alguém que sabe dos perigos de se fumar num ambiente que contém significativas quantidades de líquidos inflamáveis? O que dizer de um piloto que se deleita fumando charuto, sentado em uma cadeira de praia na porta do seu box? Ele aprovaria ver seu mecânico fumando quando trabalha em seu carro? Ao ver a cena cheguei a pensar, ironicamente, que se tratava de um protesto contra a porca reforma que foi feita durante o ano e que exterminou uma boa parte de mecânicos, preparadores e pilotos. Ao comentar com um colega sobre o fato, porém, descobri que não era a primeira vez que isso acontecia.

Também não foi a primeira vez que um carro circulou na contramão dos boxes enquanto havia atividade de pista. Vale notar que esse carro era uma picape a serviço dos organizadores do evento, o que não ajudou em nada, pelo contrário, mostrou um enorme desrespeito aos competidores — que pagam uma salgada taxa de inscrição para participar das provas —, aos profissionais que ali trabalhavam e aos regulamentos a serem seguidos. Com relação aos organizadores, cabe discutir a instrução passada a alguns pilotos durante um briefing: um piloto me confidenciou que após o safety car deixar a pista e o comissário postado indicar que a largada está autorizada, as ultrapassagens são permitidas, independente do competidor ter cruzado a linha onde está situado o posto de sinalização do diretor de prova, o conhecido PSDP, ou ter alinhado em último.

O que se viu de piloto acelerando antes da hora na largada lançada da Copa Classic foi demais. Isso gerou uma diferença de velocidade entre os que vinham atrás e aqueles que mantinham a formação até cruzar a linha de chegada e certamente contribuiu para o acidente que pode ser visto neste vídeo e neste outro. Não foi a única demonstração de pressa neste fim de semana. A largada da prova de F-1600 (categoria originada em um racha da F-Vee), foi dada quando um comissário ainda estava no grid, como mostram a foto de Du Cardim e este vídeo.

O cenário político também não é muito melhor, seja em nível estadual ou nacional. A Federação de Automobilismo de São Paulo (Fasp) já abriu suas baterias contra a Liga Paulista de Automobilismo (LPA) ao mesmo tempo que pipocam notícias sobre o desgaste cada vez maior de Cleyton Pinteiro, presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) com os aliados que o mantiveram na presidência para um segundo mandato. No âmbito estadual, a Fasp decretou que seus funcionários e comissários técnicos e desportivos não poderão atuar nos eventos realizados pela LPA; certamente a medida não tem como base a proposta de criar empregos…  Com relação a Pinteiro, é sabido que sua proposta de lançar o presidente da Comissão Nacional de Velocidade — Waldner Bernardo de Oliveira (mais conhecido como Dadai) —  como seu sucessor não agradou seus correligionários. Nomes como Rubens Gatti e Pedro Sereno são os mais comentados para a sucessão, que será em janeiro de 2017, e certamente não consideram Dadai como o novo mandatário do esporte.

A caminho de casa fui ver a largada da Copa Classic das arquibancadas descobertas, onde tive a companhia de um funcionário da administração do autódromo. Esse mesmo funcionário estacionou seu veículo da mesma forma que os funcionários da vigilância interna pediam para que o público não o fizesse. E atesto que ele não parou ali para abrir os sanitários fechados à chave ou orientar algum serviço de alimentação, posto que este luxo inexistia. Quem se sente incentivado a ver boas corridas, com grids médios de 30 carros se não tem o mínimo e conforto e, de quebra, vê os administradores do autódromo desrespeitando as próprias normas?

Trocando tudo em miúdos, com o fim de ano chegando é um bom momento para arregaçar as mangas e botar a casa em ordem, no mínimo dar o primeiro passo. Falando nisto, quem deu um passo importante foram os criadores da categoria Old Stock, George Lemonias e Paulo Soláriz. Após muita batalha, idas e vindas eles conseguiram reunir 16 Opalas com motorização 250-S, pneus radiais e preparação mínima, enfim, mais uma demonstração que a salvação do esporte está no automobilismo de raiz. Como toda novidade, ainda há espaço para ajustes e correções; o exemplo a cartolas, administradores e pilotos, porém, está dado: quem quer faz, corre atrás do sonho para chegar na frente de quem espera que tudo caia nos braços.

Adeus ao Professor

Quem algum dia pôs os pés no paddock de Interlagos ou visitou a sede da Fasp, sem dúvida ouviu alguma vez alguém mencionar o “Professor”. Essa menção era referente a Rubens Antônio Carpinelli (1923-2015), que lecionou matemática e matérias correlatas no Colégio Mackenzie e no curso vestibular Recurso a alguns dos principais pilotos brasileiros, e que faleceu ontem. Acometido de câncer há alguns anos, Carpinelli preferiu se afastar paulatinamente das pistas e passou seus últimos dias em Jacareí (SP), onde seu corpo será cremado nesta terça-feira. Aos familiares e admiradores do Professor Carpinelli, nossas condolências.

WG

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