Wagner Gonzalez |
INTERLAGOS, ETERNA E INACABADA REFORMA
Fim de semana em
Interlagos mostrou como é triste a maneira que a prefeitura da cidade cuida do
seu patrimônio e o quanto os responsáveis pelo esporte precisam melhorar. Quem
sabe a nova Old Stock possa ajudar nisso; falece o Prof. Rubens Carpinelli.
Tinha tudo para ser um fim de semana sem lamúrias ou chororô.
Afinal foi o evento do ano e, possivelmente, o derradeiro dos boxes atuais,
incluindo a estréia de uma nova categoria. Só que o que se viu em Interlagos
foi um retrato claro da irresponsabilidade com que se gasta o dinheiro público
e a maneira como alguns integrantes de uma comunidade outrora marcada pela camaradagem
atua na prática do esporte. Em uma palavra, lastimável.
Sigo o automobilismo paulista desde os anos 1960, o que me
permite fazer comparações, comentar sobre mudanças e incentivar uma discussão a
respeito. Se queremos um automobilismo saudável, com perspectiva e que seja
viável dentro do contexto atual, é preciso união e muito trabalho. Sem
mencionar que o status quo do esporte precisa, necessariamente, mudar toda a
sua estrutura e aqui é o primeiro dos problemas.
O
poder do automobilismo paulista está concentrado nas mãos de poucos e comandado
por uma federação que é administrada por esses mesmos poucos. Alguém poderia
dizer que por serem poucos não podem fazer muito, evidentemente um comentário
jocoso: se há vontade, é possível. O que se viu nos últimos e penúltimos tempos
é a postura de que vale mais a pena investir R$ 1 para ganhar R$ 2 do que
investir R$ 2 para ganhar R$ 10. Longe vão os gloriosos tempos quando o
Centauro Motor Clube organizava provas curtas e longas com pompa e
circunstância; os cartazes que promoviam as grandes corridas eram objeto de
desejo de qualquer entusiastas que honrasse esta condição. Até hoje rogo praga
às traças que devoraram os pôsteres que consegui naquela época. Se alguém tem a
foto ou um exemplar, que entre em contato por favor.
Por que falo sobre isso? Passei o último sábado em Interlagos
circulando pelo paddock e pelas arquibancadas. Na parte detrás aos boxes
vi um reforma mal acabada e digna de fazer passar vergonha quem tem um mínimo
de carinho por Interlagos. Terraços com espaços abertos, banheiro com pia
quebrada, sem luz e com mau cheiro de fazer toalete de rodoviária do interior
parecer loja de perfume, particularmente o feminino.
Quando
chove, como aconteceu nos dois últimos sábados, entra água nas salas
recém-construídas, aquelas do fundo do paddock. Quem subiu à torre jura que viu
pisos alagados…
Vamos
aos boxes. Existe alguém que sabe dos perigos de se fumar num ambiente que
contém significativas quantidades de líquidos inflamáveis? O que dizer de um
piloto que se deleita fumando charuto, sentado em uma cadeira de praia na porta
do seu box? Ele aprovaria ver seu mecânico fumando quando trabalha em seu
carro? Ao ver a cena cheguei a pensar, ironicamente, que se tratava de um
protesto contra a porca reforma que foi feita durante o ano e que exterminou
uma boa parte de mecânicos, preparadores e pilotos. Ao comentar com um colega
sobre o fato, porém, descobri que não era a primeira vez que isso acontecia.
Também
não foi a primeira vez que um carro circulou na contramão dos boxes enquanto
havia atividade de pista. Vale notar que esse carro era uma picape a serviço dos organizadores do
evento, o que não ajudou em nada, pelo contrário, mostrou um enorme desrespeito
aos competidores — que pagam uma salgada taxa de inscrição para participar das
provas —, aos profissionais que ali trabalhavam e aos regulamentos a serem
seguidos. Com relação aos organizadores, cabe discutir a instrução passada a
alguns pilotos durante um briefing: um piloto me confidenciou que após o safety
car deixar a pista e o comissário postado indicar que a largada está
autorizada, as ultrapassagens são permitidas, independente do competidor ter
cruzado a linha onde está situado o posto de sinalização do diretor de prova, o
conhecido PSDP, ou ter alinhado em último.
O que
se viu de piloto acelerando antes da hora na largada lançada da Copa Classic
foi demais. Isso gerou uma diferença de velocidade entre os que vinham atrás e aqueles
que mantinham a formação até cruzar a linha de chegada e certamente contribuiu
para o acidente que pode ser visto neste vídeo e neste outro. Não
foi a única demonstração de pressa neste fim de semana. A largada da prova de
F-1600 (categoria originada em um racha da F-Vee), foi dada quando um
comissário ainda estava no grid, como mostram a foto de Du Cardim e este vídeo.
O cenário político também não é muito melhor, seja em nível
estadual ou nacional. A Federação de Automobilismo de São Paulo (Fasp) já abriu
suas baterias contra a Liga Paulista de Automobilismo (LPA) ao mesmo tempo que
pipocam notícias sobre o desgaste cada vez maior de Cleyton Pinteiro,
presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) com os aliados que
o mantiveram na presidência para um segundo mandato. No âmbito estadual, a Fasp
decretou que seus funcionários e comissários técnicos e desportivos não poderão
atuar nos eventos realizados pela LPA; certamente a medida não tem como base a
proposta de criar empregos… Com relação a Pinteiro, é sabido que sua
proposta de lançar o presidente da Comissão Nacional de Velocidade — Waldner
Bernardo de Oliveira (mais conhecido como Dadai) — como seu sucessor não
agradou seus correligionários. Nomes como Rubens Gatti e Pedro Sereno são os
mais comentados para a sucessão, que será em janeiro de 2017, e certamente não
consideram Dadai como o novo mandatário do esporte.
A caminho de casa fui ver a largada da Copa Classic das
arquibancadas descobertas, onde tive a companhia de um funcionário da
administração do autódromo. Esse mesmo funcionário estacionou seu veículo da
mesma forma que os funcionários da vigilância interna pediam para que o público
não o fizesse. E atesto que ele não parou ali para abrir os sanitários fechados
à chave ou orientar algum serviço de alimentação, posto que este luxo
inexistia. Quem se sente incentivado a ver boas corridas, com grids médios de
30 carros se não tem o mínimo e conforto e, de quebra, vê os administradores do
autódromo desrespeitando as próprias normas?
Trocando tudo em miúdos, com o fim de ano chegando é um bom
momento para arregaçar as mangas e botar a casa em ordem, no mínimo dar o
primeiro passo. Falando nisto, quem deu um passo importante foram os criadores
da categoria Old Stock, George Lemonias e Paulo Soláriz. Após muita batalha,
idas e vindas eles conseguiram reunir 16 Opalas com motorização 250-S, pneus
radiais e preparação mínima, enfim, mais uma demonstração que a salvação do
esporte está no automobilismo de raiz. Como toda novidade, ainda há espaço para
ajustes e correções; o exemplo a cartolas, administradores e pilotos, porém,
está dado: quem quer faz, corre atrás do sonho para chegar na frente de quem
espera que tudo caia nos braços.
Adeus ao Professor
Quem algum dia pôs os pés no paddock de Interlagos ou visitou a
sede da Fasp, sem dúvida ouviu alguma vez alguém mencionar o “Professor”. Essa
menção era referente a Rubens Antônio Carpinelli (1923-2015), que lecionou
matemática e matérias correlatas no Colégio Mackenzie e no curso vestibular
Recurso a alguns dos principais pilotos brasileiros, e que faleceu ontem.
Acometido de câncer há alguns anos, Carpinelli preferiu se afastar
paulatinamente das pistas e passou seus últimos dias em Jacareí (SP), onde seu
corpo será cremado nesta terça-feira. Aos familiares e admiradores do Professor
Carpinelli, nossas condolências.
WG
Nenhum comentário:
Postar um comentário