Wagner Gonzalez |
Lendo assim, meio de canto de olho, sugere até a situação
política de um país que conhecemos bem. Interpretando com atenção, é fácil
concluir que, tal como o Brasil, a economia da F-1 já teve dias bem melhores.
Depois que a Caterham caiu nas mãos de administradores, esta semana foi a vez
da Marussia dançar a mesma música e, com isso, diminuir para 18 os carros que
alinharão nos grids para os GPs dos EUA, domingo em Austin, e em Interlagos,
uma semana depois. Olhando para o futuro próximo, a situação é grave, incita
aparições públicas de Max Mosley, coloca Jean Todt sob observação e deixa todos
ansiosos em descobrir o que Bernie Ecclestone vai fazer para resolver o
problema. Aconteça o que acontecer, nada vai alterar a falta de transparência
da estrutura comercial da F-1.
Equipes sobrevivendo por temporadas a fio em situação de
penúria e finalmente entrar em regime pré-falimentar não é nada novo no mundo
da F-1. De qualquer maneira, não é nada agradável quando isso acontece: longe
de defender a má administração dos seus responsáveis, a tristeza vem do fato
que a grande maioria dos profissionais que se dedica ao automobilismo de
competição o faz por paixão, por amor ao esporte. Salários milionários para
colaboradores técnicos são raros e, mesmo quando o contracheque é acima da
média da profissão, o valor está aquém do que poderia compensar madrugadas de
trabalho e dias e noites passadas em autódromos distantes de casa.
Mais do que triste e altamente decepcionante é o fato que
os dois casos atuais de equipes próximas da extinção tem em comum o que pode
ser interpretado como ganância e irresponsabilidade de personagens
específicos. Quando o malaio Tony Fernandes colocou à venda seus negócios no
automobilismo, no início do ano, a parte de F-1 foi assumida por um misterioso
consórcio árabe-suíço representado por Colin Kolles, dentista de origem romena,
radicado em Ingolstadt e batizado Călin Colesnic. Longe de ser sua primeira
experiência na categoria, Kolles já tinha trabalhado na Jordan, Midland,
Spyker, Force India e HRT (posteriormente transformada em Marussia), sempre sem
conseguir resultados mais expressivos. Além disso, outros dois episódios
negativos agregam valor a seu currículo. Em um deles consta que ele e Toto
Wolff entraram em um acordo para evitar que uma gravação onde o austríaco tecia
comentários negativos sobre executivos da Mercedes Benz fosse divulgada
publicamente. Em outro, um engenheiro o processa por falta de pagamento
referente ao projeto de um carro de Endurance.
Quando assumiu a Caterham no primeiro semestre e evitou
esclarecer os nomes que estariam por trás de sua nova empreitada, apareceram
dúvidas, mas o projeto seguiu. Quando o holandês Christijan Albers assumiu o
posto de diretor geral da equipe, a sensação de “desta-vez-é-sério” chegou a
piscar no fim do túnel. Bastou Albers sair após pouco mais de dois meses para
que tudo desandasse. A partir de então material foi apreendido na fábrica da
equipe, em Leafield, funcionários não podiam entrar nas dependências da empresa
e, dias após, um comunicado oficial anunciava que a equipe não iria às corridas
de Austin e Interlagos.
No mesmo comunicado a equipe anunciava que não tinha como
seguir investindo no projeto porque Tony Fernandes não assinava o documento de
venda e, portanto, não podia colocar dinheiro em algo que não era legalmente
sua propriedade. O empresário malaio retrucou de bate-pronto que “para
comprar algo você tem que pagar por isso”, clara alusão à falta de pagamentos.
Uma jornalista inglesa, Kate Walker, dedicou algumas boas
horas de seu trabalho a pesquisar os nomes das empresas que estariam bancando
Kolles e descobriu informações sobre o tal consórcio suíço e, por tabela,
nada menos de 83 empresas registradas em nome de Stefan Gyseler, o responsável
pela Engavest SA, sociedade criada em 2005, então sob a razão social PagAya!AG,
para depois assumir as identidades comerciais de Venus AG, Novatec Handels AG e
Dragon Global.
Gyseller também representa a empresa CF1 Grand Prix
Holdings— que seria identificada como a compradora da equipe de Fernandes —,
negócio dedicado “a prover serviços de cobrança de débitos via internet para
terceiros e participações em empresas imobiliárias, negócios, propriedade
intelectual e valores mobiliários e compra, venda, administração e
financiamento de imóveis”.
Pouco provável que saia algo positivo desse imbróglio. Se
um sinal de fumaça pode ser interpretado como foco de luz — afinal, onde há
fumaça há fogo -, isso poderia ser a possível criação de uma equipe romena de
F-1, sonho de consumo do importador da Ferrari nesse país. Quando, e se…, isso
acontecer, os carros verdes da Caterham estarão bem amadurecidos.
Já no caso da Marussia as cores são pouco menos sombrias.
Em dívida com a Ferrari, a equipe despertou o interesse de dois irmãos
britânicos de origem indiana — Baljinder Sohi e Sonny Kaushal — conhecidos pela
fortuna feita no ramo da siderurgia e que teriam interesse em investir cerca de
R$ 230 milhões para assumir a direção da equipe baseada em Banbury, próximo ao
autódromo de Silverstone. O valor se justifica pelos dois pontos marcados por
Jules Bianchi no GP de Mônaco e pela licença válida para disputar o Mundial de
F-1.
Toda essa movimentação voltou a incendiar o debate sobre
contenção de custos que envolve a F-1 há algumas temporadas mas que jamais
deixou de ser um assunto evitado e rechaçado pelas grandes equipes. Max Mosley,
que antecedeu Jean Todt na presidência da FIA e é seu inimigo político
declarado, aproveitou a oportunidade para incendiar o debate e propor que os
rendimentos gerados através da promoção dos GPS fossem repartidos igualmente
entre as equipes como forma de gerar equilíbrio. “A diferença de recursos seria
obtida pelos patrocinadores que cada uma fosse capaz de atrair”, declarou o
cartola inglês em entrevista à BBC Radio. Como Mosley é alinhado politicamente
com Bernie Ecclestone, seu amigo de longa data, não é difícil fazer ilação
dessa proposta com uma frase saída da boca de Ecclestone nos últimos dias “as
equipes em melhor situação tem o compromisso de ajudar as que estão em situação
pior”. Segundo ele, isso seria feito através do empréstimo de carros às equipes
em dificuldades. Tudo junto e misturado é cada vez mais plausível acreditar que
equipes de três carros serão a realidade da temporada de 2015.
WG
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