Wagner Gonzalez |
Três anos e
meio, cinco meses e 24 horas: tudo a ver
O tempo, sempre
ele, se encarrega de iluminar o caminho dos mortais e o último domingo
comprovou isto. Ensolarado, esse dia permitiu que autoentusiastas reunidos em
um Interlagos reaberto ao esporte após cinco meses de interdição à sua
atividade fim, comentassem sobre a vitória da Porsche em Le Mans, triunfo
iniciado há três anos e meio.
Jan Balder e Bob Sharp |
Tribos tão diversas como
as que gostam de acelerar pelo prazer de acelerar, que andam com regularidade
num traçado de renome internacional ou que simplesmente se entusiasmam com um
automóvel bonito e bem usado, nem ligaram para a ausência de boxes, poeira nas
vias de circulação interna ou outros detalhes menores. O que se viu em
Interlagos no último domingo, quando Bob Sharp, o editor-chefe do
AUTOentusiastas, foi homenageado pelo promotor e ex-piloto Jan Balder,
organizador do Torneio Interlagos de Regularidade, foi uma pequena multidão
descontraída curtindo uma paixão.
Cerca de 40 anos atrás eu
freqüentava Interlagos levando uma enorme mala de couro repleta de rolos de
Contact, filme plástico adesivo que usava para fazer números e logotipos à mão.
Era uma época em que amigos e colegas como Miguel Costa Júnior, Tite Simões e
Irineu Desgualdo Júnior — que fez algumas das fotos que ilustram esta coluna —,
fazíamos o que mais gostávamos: simplesmente dividíamos Interlagos com pilotos,
preparadores, mecânicos e apaixonados como nós quatro.
O
crescimento do esporte, no vácuo das conquistas internacionais de Emerson
Fittipaldi e sua geração, profissionalizou nossa turma e voamos mundo afora
para acompanhar Nélson Piquet, Ayrton Senna, Raul Boesel… e tantos outros.
Infelizmente, uma boa parte dos eventos que germinaram essa paixão foi diluída
por desmandos e desvarios de egocêntricos e gananciosos. Negando credenciais e
acesso ao bom senso, cartolas e promotores que usam o automobilismo para
benefício próprio e, muitas vezes, escusos, simplesmente acabaram com o
automobilismo de base, aquele de onde saem pilotos, preparadores, mecânicos,
jornalistas especializados e tantos outros profissionais.
No último fim de semana o
tempo, sempre ele, mostrou que ainda há esperança. Sem uma infraestrutura
decente, sem elitistas hospitality centers e, principalmente, com mais
torcedores do que controladores de acesso, o que se viu em Interlagos foi uma
pequena multidão dedicada a curtir o que podemos chamar de automobilismo de
raiz: amigos ajudando o dono do carro a trocar pneus, grupos se dedicando a ajudar
quem levou seu carro para ser devidamente usado, outros dando dicas sobre como
manter a regularidade na prova do Jan.
Mais importante do que isso, viu-se novas amizades
nascendo e outras tantas sendo consolidadas. Foi marcante encontrar leitores do
AUTOentusiastas como Ricardo Biasoli e sua esposa Celise, que conquistaram o
terceiro lugar no rali para carros modernos, apaixonados como Milton Pecegueiro
e um casal vindo de Curitiba (Marcus Lahóz e esposa) especialmente para
encontrar Bob Sharp, todos eles (exceção ao homenageado…), jovens que vão
preservar a nossa paixão comum.
Em outras palavras, foi um
dia para confraternizar no estado puro do ato. De maneira clara e indiscutível,
ficou demonstrado que precisamos de menos egos e mais datas para praticar o
automobilismo. Datas como essa que homenageou Bob Sharp, um entusiasta do
assunto.
Após
24 horas, a vitória de 3,5 anos de trabalho
Mais de 265 mil pessoas
acompanharam circuito uma das mais emocionantes edições da 24 Horas de Le Mans
dos últimos tempos. A disputa entre Audi e Porsche (duas marcam que pertencem
ao mesmo grupo…) com a Toyota de coadjuvante e a Nissan como atração à parte; o
esforço de equipes independentes nas categorias mais importantes (LMP1 e LMP2);
a briga dos caros e exclusivos GTs como Aston Martin, Chevrolet Corvette,
Ferrari, Porsche e um solitário Dodge Viper)…
Um resumo de toda a prova, onde fica claro
também a geração de imagens nem tão apurada, está disponível aqui,
incluindo a cerimônia do pódio. Não faltaram momentos de emoção e suspense
dentro da pista, nas barreiras de proteção e até mesmo nos boxes, como você vê neste
vídeo que mostra o incêndio com um modelo feito em Maranello.
As imagens mais
importantes para a decisão da prova, porém, estão
aqui. A corrida ainda estava em suas primeiras horas quando Loïc
Duval não teve tempo para reagir a uma sinalização confusa para diminuir o
ritmo na aproximação para a chicane Indianápolis. Note na marca de 28” a
sinalização de bandeiras amarelas e verdes no canto superior direito do vídeo,
fato que gerou a confusão que envolveu um dos principais carros da prova. Na
mesma cena é possível notar o Corvette e o Aston Martin freando forte enquanto
o pelotão que vinha atrás tenta encontrar o caminho livre. Duval, atrás do Ferrari
de Giancarlo Fisichella (junto com aqueles dois, o trio que disputava a
liderança da classe LM GTE Pro), seguramente não teve tempo para reagir e,
certamente, não tinha a visão necessária para ver a bandeira amarela com
clareza. De volta aos boxes, seu carro foi reparado e permitiu a Lucas Di
Grassi iniciar seu primeiro turno de pilotagem.
Nem assim diminuiu o ritmo
dos três Porsches e três Audis que dominaram a prova: no final da madrugada, já
além da metade da corrida, quatro deles ainda estavam na mesma volta. Além do
acidente, outros fatores que influenciaram o resultado da corrida foram a maior
velocidade dos Porsches, o fato dos Audis terem sido submetidos a uma pressão
que há muito não acontecia e, sem dúvida, a longa preparação da esquadra do Jardim
das Éguas, como explica Fritz Enzinger, o responsável pelo programa LMP1 da
marca de Stuttgart:
“Tenho que agradecer a esta equipe brilhante, que vem
crescendo junto ao longo dos últimos três anos e meio. A diretoria da Porsche
nos apoiou 100% desde o início. Vai levar alguns dias para perceber o que
conseguimos.”
Nem tanto tempo assim. Quinze minutos antes do final
da prova o estado-maior da Audi reconheceu a superioridade dos rivais quando
Wolfgang Ullrich e seus imediatos foram ao box da Porsche cumprimentar Enzinger
pela conquista. Muito além do gesto elegante dos homens de Ingolstadt foi
marcante ver seus conterrâneos de Stuttgart com lágrimas nos olhos.
Entre os cerca de 200 pilotos que participaram da
prova nenhum deles estava mais feliz que o líder do trio vencedor, o alemão
Nico Hulkenberg. Seis anos após sua última vitória e sem qualquer oportunidade
real de confirmar seu potencial na F-1, Hulk herdou uma vaga que poderia ter
sido de Fernando Alonso e acabou não apenas reabilitando seu nome como também
desferindo mais um golpe sobre a combalida F-1.
A ressurreição de Hulkenberg, a dobradinha da Porsche
que a consolida como a marca mais vitoriosa no circuito de La Sarthe, a
presença de 265 mil espectadores e a ampla repercussão do evento na mídia
mundial são sinais indiscutíveis de que as provas de Endurance vivem um novo
ciclo positivo. Novas propostas como o Nissan Nismo de motor e tração
dianteiros, o desafio de andar 24 horas em regime de alta velocidade, a volta
já confirmada da Ford na categoria GTE em 2016, a provável chegada da BMW e a
confirmada participação de um carro movido a biogás em 2017 são notícias que
não deixam dúvidas: tamanho sucesso vai durar mais alguns anos.
WG
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