terça-feira, 8 de março de 2016

Wagner Gonzalez em Conversa de Pista

EXPERIMENTO X DURABILIDADE, O BALANÇO DE BARCELONA


Wagner Gonzalez
O resultado dos treinos no Circuito da Catalunha mostra que Ferrari e Mercedes deverão concentrar a disputa da liderança em mais uma temporada de F-1, ainda que os testes de inverno só possam ser usados como uma referência básica, jamais profunda.  Os motivos vão desde a agenda de trabalho de cada equipe até as limitações técnicas e financeiras de cada uma delas, sem falar no período de adaptação de novos pilotos e novas equipes, caso particular da Haas e, em menor escalada, da reformulada Marussia, agora rebatizada de Manor.

Uma visão mais apurada será possível durante os primeiros treinos do GP da Austrália, prova que abre a temporada de 2016 no fim de semana do dia 20. Para os entusiastas da F-1 que já sofrem crise de abstinência, o refresco vem por conta do fuso horário: a diferença entre a hora local de Melbourne e Brasília é de 14 horas, o que significa que será possível acompanhar o início dos treinos de sexta-feira ainda na noite de quinta.

Apesar de todos os carros entrarem na pista teoricamente dentro do regulamento da categoria, uma ideia mais clara da possibilidade de cada time e piloto só ficará mais nítida após os GPs do Bahrein (3 de abril), China (17 de abril) e Rússia (1o de maio).

A explicação para isso é simples: um carro que apresente um desempenho equilibrado em circuitos e condições atmosféricas tão diferentes quanto essas quatro terá maiores chances de manter esse ritmo no restante da temporada. Se a base é boa, o piloto competente e o orçamento adequado, não há por que esperar resultados ruins. Mas como tudo tem exceção, uma crise entre dois pilotos ultracompetitivos ou boatos sobre a mudança de endereços dos principais técnicos ou dos próprios pilotos podem alterar esse equilíbrio. Exemplos recentes são claros: dois anos atrás Lotus tinha uma excelente base técnica, dois pilotos rápidos (Räikkönen e Grosjean) e um carro competitivo. A falta de recursos financeiros catalisou a debandada de bons técnicos e engenheiros e culminou com a Renault recomprando a equipe a preço de frutas tropicais. Sem falar na queda de rendimento de Valteri Bottas quando, no meio do ano passado, a negociação para sua transferência para a Ferrari começou a dar errado.

Em 2015 Force India e Sauber viveram situações semelhantes e há indícios que a temporada promete novos e emocionantes capítulos para ambas. No caso da primeira o problema é identificado em Vijay Mallya: empreendedor arrojado, seus problemas começaram a ficar mais conhecidos quando a Kingfisher (empresa aérea de baixo custo que ele fundou em 2004) faliu e deixou uma longa lista de credores. A partir de então uma série de investimentos em indústrias de bebidas e esportes sofreram revezes e atualmente ele enfrenta problemas com as autoridades financeiras da Índia, seu país natal. Curiosamente, o corpo técnico da Force India é considerado um dos mais hábeis da categoria: com um orçamento bem menor que equipes mais estruturadas, Nico Hulkenberg e Sérgio Pérez somaram pontos suficientes para garantir a quinta colocação entre os construtores.

Mais perto dos brasileiros, a situação da Sauber é semelhante: no início da temporada passada a organização suíça teve que compensar financeiramente Guido van der Garde e ficou sem fundos para desenvolver o chassi C-34. Este ano, a demora em receber o pagamento de patrocinadores provocou atraso no pagamento de salários de fevereiro, algo que muitas empresas brasileiras praticam há algum tempo, fruto da crise que contempla o País. Contribui para essa situação o fato que no começo da temporada os gastos são bem maiores devido à construção dos novos carros e sua homologação compulsória em testes de impacto, a compra de novos equipamentos, uniformes e toda a estrutura que é renovada a cada início de ano.

As novidades de Barcelona
Caras novas, pneus romenos, um “santantônio” (arco de proteção à frente do piloto) reinventado: estas foram as principais novidades das duas sessões de testes de Barcelona. Espremendo tudo isso, o que sobra, como escrevi lá em cima, é que Ferrari e Mercedes continuam à frente da concorrência e que a tendência de processar o fluxo de ar que passa sob o bico dos carros ganhou importância. Este recurso, pouco visível pelas imagens de televisão, é uma forma de modular a carga aerodinâmica dianteira e otimizar o ajuste do carro.

As caras novas que surgiram na F-1 2016 começam pela equipe Haas, que acabou tomando um choque de realidade a ponto do seu proprietário, Gene Haas, ter admitido que o nível de envolvimento e tecnologia na categoria são bem mais altos do que ele esperava.  Ainda bem que o indonésio Rio Haryanto estava lá para impedir que Romain Grosejan (21º) e Esteban Gutiérrez (22º) fossem os mais lentos na classificação geral após oito dias de testes. Se não podia se esperar muito mais de Haryanto em uma equipe pequena como a Manor, certamente problemas no sistema de freios e, pasme, a quebra da asa dianteira do Haas VF16-Ferrari de Grosjean foram surpresas desagradáveis que ilustram o mea culpa de Gene Haas.

Em se tratando de Ferrari e Mercedes, os carros oficiais dessas marcas se destacaram por motivos distintos, e bem mais positivos. A Ferrari optou por testar inúmeras soluções distintas, o que acabou custando algum tempo de pista para que as mudanças fossem efetuadas. Entre essas novidades a instalação de dois dutos internos no bico da carroceria do modelo SF16-H, com dupla função: ajudam a laminar — tornar o fluxo de ar mais estável -— sobre a extremidade dianteira superior do chassi e, consequentemente, gerar alguma carga que ajude a estabilizar a dianteira do monoposto. Não se trata de um conceito inédito — a Sauber usa isso há pelo menos duas temporadas —, mas a forma de aplicação é, com certeza, uma evolução.

Outra referência da Ferrari foi a utilização de pneus supermacios, identificados pela cor roxa, para Räikkonën e Vettel registrarem as melhores voltas. A Scuderia também testou compostos fabricados na Romênia, que também está aparelhada para produzir o equipamento, uma clara referência à instabilidade política que envolve a Turquia, onde normalmente são produzidos os produtos de competição para a categoria. Surpresa maior, porém, ficou por conta do novo arco de proteção dianteiro, o “halo”, espécie de “santantônio” dianteiro destinado a diminuir as chances do piloto ser atingido na cabeça em caso de acidente —  como o que aconteceu em Suzuka ferindo gravemente Jules Bianchi, que veio a falecer tempos depois — ou incidentes como o que envolveu Felipe Massa durante um treino na Hungria. Tanto Vettel quanto Räikkönen testaram o equipamento e, de acordo com o finlandês, o aparato não prejudica a visão: “A primeira impressão foi positiva: o halo não atrapalha a visão”. Lewis Hamilton, porém, não demorou em criticar a novidade, pelo menos por razões estéticas, no que está certo…


Se a Ferrari fez dobradinha, a Mercedes focou na durabilidade do AMG F1 W07 Hybrid e nem Nico Rosberg (terceiro mais rápido), tampouco Lewis Hamilton (10º) usaram os pneus supermacios. A quilometragem coberta por ambos foi suficiente para cobrir aproximadamente 20 GPs, o que caracteriza a agenda de trabalho dos alemães. O único problema conhecido foi com uma pane de transmissão na manhã do último dia de testes, o que acabou encerrando os trabalhos de Lewis Hamilton um pouco mais cedo que o previsto. A grande interrogação é sobre o rendimento dos carros prateados com pneus supermacios: no ano passado a adaptação à borracha mais aderente pode ser incluída entre os raros pontos fracos do chassi W06. Pelo que se viu até agora, os compostos mais aderentes significaram uma melhora menor do que era esperado, oito décimos contra o dobro do que se viu em comparativo semelhante no ano passado. Emoção à vista, a Ferrari teria feito com pneus macios um tempo ainda melhor que a marca mais rápida de Nico Rosberg…

Eterna promessa da F-1, o alemão Nico Hulkenberg fez o quarto melhor tempo dos testes, mostrando que tem velocidade e que o VJM09-Mercedes é um carro bem nascido. Todos nós conhecemos muita gente que depois de grande acabou decepcionando a sociedade, mas o passado do time que funciona onde surgiu a equipe Jordan deixa seus torcedores otimistas. Além de Hulkenberg também andaram com o carro, cujo conceito foi coordenado pelo diretor técnico Andrew Green, Sérgio Pérez e Alfonso Celis Jr, cotado como o mexicano a dar continuidade ao trabalho que Perez e Gutierrez estão desenvolvendo há alguns anos.

Segunda equipe no quesito maior quilometragem percorrida, a Toro Rosso mostrou interessante equilíbrio entre seus dois pilotos — Carlos Sainz Jr. e Max Verstappen, que deixaram para trás a interrogação que os acompanhou um ano atrás. O espanhol foi marginalmente mais rápido que o holandês e a resistência do STR 011- Ferrari, o chassi da equipe menor da Red Bull, reforçou a mensagem deixada pela Force India: orçamento baixo e QI alto resulta em bons carros.

Orçamento alto também não é o ponto forte da Williams, onde Felipe Massa foi mais veloz que Valteri Bottas, que apesar de problemas menores — Massa sequer conseguiu tirar proveito dos pneus ultramacios — mostram que o FW 38-Mercedes tem bom potencial. A equipe trabalhou em vários cenários de operação: preparação de largada, avaliação de pneus com o mesmo acerto e com alterações de ajuste. Em outras palavras, o caminho suave para alfabetizar o time com parâmetros e indicativos de como o chassi reage a alterações, exatamente o que uma equipe que usa motor “de cliente” deve fazer. Massa pressiona a equipe para aprontar novas carenagens dianteiras, em especial o bico-, para usar na Austrália.

Cerca de quatro décimos mais lento que Massa, e um pouquinho mais que seus colegas da Toro Rosso, Daniel Ricciardo mostrou-se igualmente otimista e realista ao final dos trabalhos. Para ele, a melhor chance de lutar por um lugar no pódio será em Mônaco, circuito famoso por resultados espetaculares ou surpreendentes, e outros de traçado travado. Vale destacar que se a Ferrari usa dutos e a McLaren canais no estilo guelras de tubarão para trabalhar o ar no interior do bico, o RB12 adotou um perfil convexo para conduzir o ar nesse espaço. Entre o bico e a pedaleira foi instalado um revestimento com perímetro em forma de arco, certamente inspirando no efeito Coanda que tanto sucesso fez no passado recente.

Felipe Nasr voltou a mostrar o caminho das pedras ao seu companheiro de equipe, o sueco Marcus Ericsson, na segunda rodada de testes, a única em que a Sauber usou o novo C-35-Ferrari. O brasileiro completou maior quilometragem e registrou um tempo menor, o que deixa esperanças de uma boa temporada caso as previsões de Monisha Kaltenborn (“nossa meta é consolidar a equipe no pelotão intermediário”), se confirmem.

A Renault andou com um carro que deverá receber nova pintura e pequenas modificações até o GP da Austrália

De volta à F-1 na condição de construtor e com sua própria equipe, a Renault teve atuação discreta em Barcelona. Certamente não se podia esperar mais: os próprios franceses admitiram que em 2016 o R.S. 16 não será um equipamento em condições de disputar os primeiros lugares. Ainda assim, Kevin Magnussen e o inglês Jolyon Palmer completaram mais de 4.200 km, cerca de 14 GPs, o que demonstra que a confiabilidade que tanto faltou nas últimas duas temporadas, foi reconquistada. Falta agregar a esse índice uma boa dose de desempenho.

Outra dupla tão equilibrada quanto as da Ferrari e da Toro Tosso foi a da McLaren, porém em um ritmo mais manso. A diferença entre a melhor volta de Jenson Button e a de Fernando Alonso foi de escassos 28/1000 de segundo, o que mostra que tanto o inglês, o mais rápido, quanto o espanhol, conseguiram tirar o melhor do MP4/31-Honda, carro que apareceu na segunda semana de testes com modificações no capô do motor — fala-se que a versão usada nesse ensaio é a que será usada em Melbourne — e o tanque de combustível abastecido com gasolina de nova formulação. Mesmo assim ainda é cedo para sonhar com os carros de Woking de volta à briga por vitórias.

Se a McLaren está distante das vitórias, o que dizer da Manor? A equipe ainda sente falta de maiores recursos e segue com dois pilotos inexperientes na categoria. Verdade que Pascoal Wehrlein é promissor a ponto de contar com o apoio da Mercedes-Benz, respaldo que poderá trazer influência benéfica a uma time equipe em busca do seu caminho. Será interessante acompanhar o progresso, ou falta de, entre a Manor e a estreante Haas.

Os tempos finais de Barcelona:
1) Kimi Räikkönen, 1’22″765, Ferrari (4,402 km completados pela equipe)

2) Sebastian Vettel, 1’22″810, Ferrari
3) Nico Rosberg, 1’23″022, Mercedes (6.164 km)
4) Nico Hulkenberg, 1’23″110, Force India-Mercedes (3.776 km)
5) Carlos Sainz Jr, 1’23″134, Toro Rosso-Ferrari (5.061 km)
6) Max Verstappen, 1’23″154, Toro Rosso-Ferrari
7) Felipe Massa, 1’23″193, Williams-Mercedes (3.957 km)
8) Daniel Ricciardo, 1’23″525 , Red Bull-TagHeuer (3.776 km)
9) Lewis Hamilton, 1’23″622, Mercedes
10) Sergio Pérez, 1’23″650, Force India-Mercedes
11) Kevin Magnussen, 1’23″993, Renault (4.268 km)
12) Valteri Bottas, 1’24″293, Williams-Mercedes
13) Daniil Kvyat, 1’24″293, Red Bull-TagHeuer
14) Felipe Nasr, 1’24″706, Sauber-Ferrari (3.859 km)
15) Jenson Button, 1’24″714, McLaren-Honda (3.279 km)
16) Fernando Alonso, 1’24″735, McLaren-Honda
17) Alfonso Celis Jr, 1’24″840, Force India-Mercedes
18) Jolyon Palmer, 1’24″859, Renault
19) Pascal Wehrlein, 1’24″913, Manor-Mercedes (2.222 km)
20) Marcus Ericsson, 1’25″031, Sauber-Ferrari
21) Romain Grosjean, 1’25″255, Haas-Ferrari (1.910 km)
22) Esteban Gutierrez , 1’25″422. Haas-Ferrari
23) Rio Haryanto, 1’25″899, Manor-Mercedes


CBA passa bola adiante
A Confederação Brasileira de Automobilismo optou pela maneira mais fácil e menos desgastante para resolver o problema surgido com o vazamento seletivo de uma conversa entre um comissário e um auxiliar do seu corpo técnico mencionando possíveis decisões arbitrárias para punir pilotos da Stock Car. Em vez de assumir o comando da investigação que envolve profissionais do seu corpo de colaboradores, a CBA transferiu o ônus desse processo para um representante dos pilotos, o veterano Chico Serra, o presidente da Federação de Automobilismo do Estado do Espírito Santo, Robson Duarte -, e o presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Automobilismo, Felipe Giaffone. Não houve nenhuma referência à participação do departamento jurídico ou de algum dos 13 integrantes do corpo jurídico da entidade. Giaffone já adiantou que sua associação não tem estrutura capaz de cumprir o prazo de 30 dias para apresentar a conclusão solicitada pela entidade.

Na abertura da temporada brasileira de Stock Car, domingo, em Curitiba, Marcos Gomes e Antônio Pizzonia saíram vencedores.


WG

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