Wagner Gonzalez |
Da la bière a il barolo
O calendário 2019 da F-1 junto
dois dos circuitos mais tradicionais do automobilismo mundial em dois fins de
semana consecutivos e a troca do cardápio belga pelo italiano conseguiu manter
em alta um burburinho como há muito não se via na categoria. Agora, à
movimentação exacerbada no mercado de pilotos soma-se uma onda para estender o
atual regulamento de motores para mais duas ou três temporadas, ideia que
ganhou impulso de lados opostos, como Ross Brawn (Liberty Media), Christian
Horner (Red Bull) e Cyril Abiteboul (Renault), quadro que mostra a força da
proposta.
O que se viu na pista no último fim de semana foi um
verdadeiro renascimento de Sebastian Vettel e da Ferrari na briga pelo
campeonato deste ano, onde o alemão disputa a ponta contra o pole position
Lewis Hamilton, que completou os 308,052 KM do GP belga 1”061 atrás do seu
maior rival. Por isso, na tabela de pontos o inglês viu sua vantagem no
campeonato diminuir para 17 pontos: ele agora tem 231 contra 214 do alemão.
Como a próxima corrida acontece em Monza, isso cria uma expectativa maior sobre
a Scuderia, que em Spa utilizou um combustível com nova formulação e tão
experimental – ainda que obedeça à legislação europeia para uso comercial -,
que nem a Haas, tampouco a Sauber (equipes que usam o mesmo motor) foram
privadas dessa vantagem.
Sob um ângulo extremamente diferente, o da segurança, a
prova de domingo teve reforçada a fama de largadas espetaculares graças às
manobras arriscadas iniciadas por Nico Hulkenberg e Valtteri Bottas.
O
alemão simplesmente calculou mal a freada para a primeira curva (La Source,
outrora também conhecida como Masion Blanche devido à casa existente no local),
e acertou a traseira do McLaren de Fernando Alonso, que decolou e voou sobre o
Sauber de Charles Leclerc. A dinâmica do acidente incluiu ainda a manobra de
Bottas, que devido à troca de equipamentos do trem de força largou no fundo do
pelotão e na freada seu Mercedes tocou no Williams de Sergey Sirotkin. O carro
do russo praticamente destruiu a asa traseira do Red Bull de Daniel Ricciardo,
que acabou batendo na traseira da Ferrari de Kimi Räikkönen, que tentou seguir
na prova após uma parada nos boxes.
Riccciardo também retornou após seu chassi receber uma
nova asa traseira e desistiu mais tarde. O final da história do australiano com
seu time atual é cada mais sombrio: abandonos seguidos, Max Verstappen já o
supera no campeonato e agora Pierre Gasly assumiu sua agenda de testar o carro
no simulador. Pelo menos esta última consequência tem fundamento lógico, algo
ainda discutível no que diz respeito à funcionalidade do halo: o McLaren de
Alonso deixou marcas indeléveis no novo arco de segurança mas nem mesmo Charlie
Whiting se mostrou absolutamente convencido que isso salvou Leclerc:
“Por enquanto ainda é um pouco de especulação dizer que o
halo salvou o Leclerc de algo pior. O que está claro, por enquanto, é que o
carro de Alonso deixou marcas nos dois lados desse arco de segurança e que,
após a Sauber examinar o chassi na sua fabrica, poderemos considerar se vale a
pena fixar o halo com molas em vez de apenas com parafusos.” Veja aqui a
visão que Charles Leclerc teve desse acidente espetacular.
A caminho de Monza as cabeças pensantes da F-1 estarão
mais ocupadas com outro assunto, além de trocar as cervejas belgas – famosas
pela variedade de sabores, geralmente frutados – e os vinhos da região da
Lombardia, onde o tinto barolo é uma das estrelas, assim como os pinot bianco e
grigio. A discussão de entrada saboreada com moules e batatas fritas agora se
estende com boas porções de quartirolo e gorgonzola, queijos da região de
Milão, o que configura uma gastronomia mais encorpada.
O assunto dessas conversas: estender a validade dos
atuais motores de 2020 até 2022 ou 2023. A falta de interesse de novos
fabricantes em desenvolver um novo equipamento e os altos custos que essa
mudança implica são dois dos três pilares que sustentam essa movida. Ross
Brawn, nome conhecido por sua preocupação com gastos e autoridade técnica da
Liberty Media, defende a primeira causa:
"Nossa proposta é criar um novo regulamento para
atrair novos fabricantes de motores e consolidar os atuais. Acredito que é
adequado considerar se a 2021 é a data certa para implementar essa mudança ou
se deveremos esperar que a poeira abaixar até que tenhamos certeza que traremos
sangue novo para o esporte”.
Christian Horner, cuja equipe vai utilizar motores Honda
a partir de 2019, defende que os atuais motores devam ser usados até 2022 “pois
não há nenhum fabricante atualmente interessado em ingressar na F-1”. Cyril
Abiteboul, seu par na equipe Renault, vai além que indica que a F-1 está
sofrendo muitas mudanças ao mesmo tempo:
“Pela primeira vez na história da categoria estaríamos
trocando os regulamentos de chassi e de motor, mudando o Acordo de Concórdia, a
estrutura de governança da categoria e impondo um novo teto de gastos, tudo ao
mesmo tempo.”
O que ninguém colocou em discussão ainda é a matriz
energética dos motores. Os atuais usam solução híbridas de motores de combustão
interna e recuperadores de energia cinética e térmica. Estudos da Mahle,
metalúrgica alemã que fornece equipamento para várias equipes, mostram que o
tradicional motor a explosão ainda terá mercado considerável por mais três
décadas. Esse tempo pode parecer longo, mas o desenvolvimento cada vez mais
rápido de motores elétricos cria uma situação delicada: a F-1 poderia
contribuir para encontrar soluções que prolonguem a vida do motor a combustível
fóssil que domina o mercado hoje, adotar uma solução puramente elétrica (algo
que atualmente a F-E detém exclusividade e onde o capital chinês deverá ditar
as regras) ou, o mais provável, explorar o desenvolvimento de soluções mistas.
Raramente o bordão “quem viver, verá” foi algo tão
adequado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário