Wagner Gonzalez |
Caminhos
de lá e de cá
É fácil
criticar o estágio em que se encontra o automobilismo nacional, saudoso de
grandes eventos e grandes marcas representadas nas pistas.
Nem tão fácil para
muitos é enxergar que para o esporte recuperar a imagem de espetáculo vitrine
de bons negócios é preciso desenvolver um trabalho onde todos os envolvidos
tenham foco único ou, no mínimo, visões convergentes.
Recentemente passei
alguns dias acompanhando o desenrolar das 24 Horas de Daytona, um dos grandes
eventos da Daytona International Speedway, principal autódromo da Flórida e um
dos mais importantes dos Estados Unidos. Igualmente conversei com os executivos
da FARA, empresa que promove um campeonato que tem bases regionais e status
internacional; disso tudo foi possível enxergar alguns fatos que podem
contribuir para os entusiastas brasileiros.
O
primeiro ponto para se entender as diferenças entre o esporte praticado nos
Estados Unidos e no Brasil mescla a cultura automobilística e o poder econômico
dos dois países. É possível dizer que o primeiro tem proeminência sobre o
segundo: lá os envolvidos entendem e seguem as regras básicas de convivência,
segurança e organização enquanto o segundo explora bastante as oportunidades de
gerar empregos e impulsionar negócios.
No
quesito cultura Daytona é realmente exemplar: em quatro dias de evento entrei e
sai do autódromo várias vezes e em apenas uma oportunidade me foi solicitado
mostrar credencial. Quando a área das garagens foi aberta ao público todos
respeitavam as filas para entrar, pedir autógrafos e fotografar os carros e
deixavam o local no horário estipulado. Se na F-1 isso é impensável, no
autódromo da Flórida essa prática é fundamental; se na Stock Car brasileira é
proibida ou coíbida a prática do acampamento e de fazer um bom churrasco, em
Daytona o “infield” (a área no interior do circuito) é um espetáculo de
convivência. Ali entusiastas e admiradores desta e daquela marca se reúnem para
exibir e admirar modelos raros, ou nem tanto, e trocar o celular por um bom
papo em meio a mesas, assados e boas doses de cerveja.
Em meio a tudo isso, os
grandes fabricantes montam estandes para promover seus modelos, produtos e
lançamentos em operações de marketing e publicidade que não param por aí. Os
direitos de transmissão do calendário 2019 da IMSA em TV aberta foram
negociados com a NBC, que montou um esquema bastante profissional para a
cobertura da temporada. Na prova de Daytona todas as grandes marcas envolvidas
na prova apoiaram comercialmente a iniciativa, o que demonstra que o
investimento bem feito é consequente e demanda entrosamento.
Na sala
de imprensa, a cada 45 minutos/uma hora pilotos e personalidades conectados de
alguma forma ao evento apareciam para entrevistas coletivas num ritual que durou
todo o fim de semana. Nessas ocasiões se notava a diferença entre os assessores
de comunicação norte-americanos e europeus, que filtravam demandas de um
bate-papo exclusivo cada um à sua maneira. Um pouco de sorte e a necessária
empatia entre entrevistador e entrevistado podiam contornar tais barreiras e
garantir um bate-papo mais descontraído nos caminhões ou motorhomes das
equipes. Aliás, o próprio uso desses “recreational vehicles” é um negócio à
parte: boa parte dos competidores aluga esses veículos prova a prova, o que
diminui os investimentos, facilita a logística de deslocamento e garante uma ou
duas horas a mais de sono por dia.
Daytona,
sem sombra de dúvida, tem uma estrutura altamente profissionalizada e bem
estruturada, condição que facilita a realização de megaeventos. Já os
executivos da FARA vivem realidade diferente e bem mais próxima do
automobilismo por nós conhecido. Ricardo “Tico” Almeida e Carlos Mendez são os
responsáveis pela Formula Automobile Racing Association, ou simplesmente FARA,
associação estabelecida oficialmente em 2007, mas que nasceu muito antes disso,
em 1970, período que ele e seu sócio evitam comentar.
Daytona
está ligada à IMSA, por sua vez ligada à Nascar, uma das diversas ligas
atuantes nos Estados Unidos. Por sua vez, a FARA explora suas atividades no
circuito de Homestead, palco da etapa da Florida no calendário da Stock Car
norte-americana, categoria que é a alma da Nascar. Daytona e FARA tem práticas
diferentes de profissionalismo: a primeira tem um padrão mais elevado tanto
técnica quanto economicamente; já a segunda explora a demanda de gentleman
drivers que querem desfrutar do seu hobby e facilita o contato dos interessados
com equipes que fornecem equipamento e serviços de pista. Sem o poderio
econômico da pista do norte da Flórida, Almeida e Mendez usam estratégias mais
simples e igualmente eficiente, que serão matéria desta coluna em breve.
Simplesmente replicar
esses métodos de trabalho no Brasil seria tão ilusório quanto ineficiente, mas
os conceitos básicos podem e devem servir de base e incentivo para os
dirigentes brasileiros. Ainda que nos Estados Unidos a estrutura político
desportiva seja baseada em ligas e exista um repúdio claro às normas da
Federação Internacional do Automóvel - lá a FIA é representada pelo ACCU,
Automobile Competition Committee for the United States e outras duas
associações, uma dedicada ao turismo e outra ao kart infantil – a Confederação
Brasileira de Automobilismo tem muito o que explorar e disseminar esse
conhecimento.
Não
se trata de nenhum ovo de colombo, mas apenas cumprir algumas de suas
obrigações estatutárias, como a que consta do item c do artigo sexto do seu estatuto: “dirigir,
difundir e incentivar no país todas as modalidades automobilísticas e desde que
credenciada, desenvolver as atividades ligadas ai turismo, trânsito e
transportes, nos moldes regulamentados internacionalmente; “(sic). Da mesma forma
que é importante cobrar dos dirigentes uma atuação eficiente, os pilotos e
preparadores devem deixar de praticar o esporte pela Lei de Gérson: promover
corridas tem seu preço e no mundo inteiro se paga por isso, até as equipes de
F-1 são cobradas para disputar o campeonato mundial. Cabe a todos os envolvidos
sentar-se à mesa de reunião com bons modos e visão prática de bons negócios.
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