Alta Roda nº 860/210– 29 /10 /2015
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Fernando Calmon |
Frases
como essas não costumam partir de altos dirigentes da indústria automobilística
sobre o cenário desolador atual: “O Brasil precisa de um plano, como uma
empresa. Não temos um plano”; “A crise está ligada fundamentalmente à questão
política, uma doença degenerativa, uma cirrose, que corrói a economia”; “Brasil
precisa de um ajuste ético e político. Enquanto isso não acontecer, a economia
e o mercado automotivo não voltarão a crescer.”
Na realidade, as fabricantes do setor muitas vezes “apanham” caladas,
mostram-se sempre na defensiva, quer as críticas sejam pertinentes ou
impertinentes, justas ou exageradas. Essa nova postura só agora brotou
publicamente, em tom de desabafo mesmo.
A explicação óbvia vem daquela frase imortal do jornalista Joelmir Beting. Ele
dizia que o órgão mais sensível do ser humano é o bolso. Ninguém ignora que a
indústria automobilística ganhou muito dinheiro com o crescimento quase
explosivo das vendas internas entre 2004 e 2013, alimentadas por demanda
reprimida (1999 a 2003), crédito fácil e descontrolado, aumento do poder
aquisitivo dos compradores e estímulos fiscais em momentos difíceis. Geraram-se
lucros remetidos às matrizes.
O cenário de hoje, exatamente o oposto, atacou o bolso. Os prejuízos começaram
já no ano passado e no momento as matrizes estão socorrendo as filiais com
empréstimos até para fechar as contas no fim do mês. Afinal, salários na
indústria acima da inflação e preços dos carros corrigidos por percentual
inferior não dão liga. Essa fase acabou e aumentos reais pioram tudo. Nenhum
acionista gosta de saber que perde dinheiro, se antes ganhava, e está agora
“devolvendo” parte do que havia embolsado. São da regra econômica os ciclos
bons e ruins, mas importa a tendência apontar para cima.
Também se ouviram vozes ainda mais pessimistas. O início da tímida recuperação
poderia ficar para 2017 e não começar no último trimestre de 2016. Parece haver
um desconhecido porão no fundo do poço. Somando-se veículos leves e pesados as
vendas talvez não cheguem a 2,1 milhões de unidades em 2016 ou 16% menos que os
prováveis 2,5 milhões deste ano.
No rumo contrário, o instituto Ipsos Brasil disse ter detectado em pesquisa que
nos últimos meses cresceu a intenção de compra de carros novos pelos
consumidores. Infelizmente, isso não foi confirmado pelos bancos. A associação
das instituições vinculadas aos fabricantes (Anef) reafirmou a procura menor
por financiamentos, independentemente da maior seletividade na aprovação de
cadastros de interessados.
Em meio a interpretações e previsões de alguma forma divergentes, pelo menos há
um consenso positivo. Nenhum fabricante admitiu cancelar investimentos. Eles
estão mantidos, certamente a um ritmo menor, mas a ameaça de desinvestimento,
como já ocorrida no passado, parece descartada. Voltar à condição de país do
futuro é algo bem desconfortável, mas é o consolo que restou.
RODA VIVA
EMBORA a FCA não tenha decidido sobre a produção – mesmo em regime
de montagem de componentes importados (CKD) – do seu novo sedã médio-compacto
na fábrica de Goiana (PE), as chances de isso ocorrer aumentaram. O carro
existe, recuperou o nome Tipo, dos anos 1990, em alguns mercados, mas nem mesmo
isso se confirmaria aqui por problemas do passado.
EXEMPLO correto de uso de vidros escurecidos no novo
monovolume C4 Picasso (segunda geração): da coluna central para trás. Nas
janelas dianteiras eles são apenas esverdeados para garantir visibilidade
correta. No Brasil a regulamentação do Contran é exatamente essa, mas quase
ninguém respeita. Inexiste fiscalização e, portanto, mais uma lei que não
“pegou”.
FOCUS FASTBACK vem alcançando resultados superiores de
vendas em relação às gerações anteriores do mesmo sedã não apenas por esforço
de marketing da Ford. Sua dirigibilidade ficou melhor, direção mais precisa e
suspensão traseira independente multibraço com barra estabilizadora é
referência no segmento. Espaço para pernas atrás poderia ser melhor.
GOVERNO FEDERAL criou incentivos fiscais para veículos
puramente elétricos ou híbridos recarregáveis em tomadas, como em outros
países. Desculpa anterior era risco de apagão elétrico, mas a procura por esses
veículos é tão baixa que soava ridículo. Tarifa de importação cai de 35% para
algo entre 2% e 7% (híbridos) e de 0% a 2% (elétricos), dependendo de sua
eficiência.
SEGUNDO o Observatório Nacional de Segurança Viária,
ao analisar dados oficiais, mais de 15% dos mortos no trânsito são idosos (60
anos ou mais), apesar dessa faixa etária corresponder a cerca de 11% da
população. Pedestres representam a maior parte das vítimas. Ou seja, motoristas
precisam ficar ainda mais atentos às limitações da terceira idade.
PERFIL
Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br),
jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos
técnicos e de mercado nas áreas automobilística e de comunicação. Sua coluna
automobilística semanal Alta Roda começou em 1999. É publicada em uma rede
nacional de 85 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do
site just-auto (Inglaterra).
Siga também através do twitter:
www.twitter.com/fernandocalmon
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