Wagner Gonzalez |
Mônaco,
a concorrida passarela da F-1
Desde sua criação em 1950
o Campeonato Mundial de F-1 passou por várias transformações, eras e domínios
num processo de sobrevivência que consagrou e destruiu egos, técnicas,
conhecimento e principalmente sonhos. Nesse universo de 78 edições ocupam
lugares de destaque Graham Hill e Ayrton Senna, com cinco e seis vitórias,
respectivamente, ambos foram agregados informalmente à Família Grimaldi,
que controla o principado mediterrâneo há tempos, ao ganharem o apelido de reis
de Mônaco.
Ali, iates cada vez maiores invadem as marinas locais em clima de
festas nababescas e projetos dos mais variados foram, são e serão sonhados,
assinados e terminados em torno das sinuosas ruas e boulevares de Monte Carlo,
o bairro mais famoso da cidade-estado que é a verdadeira passarela da F-1.
O frenesi dessa corrida foi recentemente usado para
alavancar o valor da expressão “Tríplice Coroa”, um título cunhado em 1972
depois que Graham Hill ganhou as 24 Horas de Le Mans e tornou-se o primeiro
homem a ter conquistado também o Campeonato Mundial de F-1 (1962 e 1968) e as
500 Milhas de Indianapolis (1966). Há um ou dois anos exercícios de marketing
substituíram o campeonato pela vitória no principado, o que ajudou a promover o
significado da participação de Fernando Alonso na corrida norte-americana.
Ainda que discutível, a nova ficha técnica é justificável: até então um
campeonato mundial e duas provas icônicas eram misturados; hoje em dia são três
corridas.
Ano após ano os organizadores
do GP de Mônaco vão ensaiando novas possibilidades para explorar o charme do
local e aumentar a receita daquela que é a prova mais complexa do calendário.
Somente nos anos 1990 é que a sala de imprensa ganhou instalações minimamente
decentes: até então funcionou em locais tão adaptados quanto salas de aula de
um jardim da infância ou um andar do estacionamento próximo à entrada dos
boxes. e, em outro ano, próximo à saída do túnel. A coletiva de imprensa já
aconteceu em um teatro pequeno, que ficou ainda menor em 1984 após aquele final
dramático onde o meio ponto da vitória de Alain Prost pôs por água abaixo a
conquista do título ao final da temporada.
Na edição de 1990 os comentários no sempre apertado
paddock de Monte Carlo indicavam que os negócios da F-1 com o México iriam
crescer exponencialmente. No fim de semana de 27 de maio o empresário Fernando
González Luna circulava com desenvoltura e convidava a todos para a festa de
lançamento da equipe GLAS-Lamborghini, um verdadeiro investimento multinacional
a ser lançado oficialmente um mês mais tarde na Cidade do México. De concepção
italiana (Mauro Forghieri e Mario Tollentino assinavam o projeto), apoio norte
americano (eram tempos em que a Chrysler controlava a Lamborghini, fabricante
do motor e chassi) e boa parte do capital com origem mexicana (falava-se em US$
20 milhões aportados por empresários do país latino), a Glas desapareceu no ar
sem deixar traço ou rumo, exatamente como González Luna, até hoje considerado
um foragido pela Interpol...
Ainda mais aparente foram as
aparições de Fred Blushell, contador da Lotus nos tempos de Colin Chapman, no
final dos anos 1980, porém não menos enigmáticas. Chapman faleceu em
dezembro de 1982, vítima de ataque cardíaco, depois que o financiamento de do
governo britânico (algo em torno de £10 milhões), para a construção da fábrica
do De Lorean, na Irlanda foi descoberto como um golpe financeiro. Na
esperança de gerar simpatia à sua imagem no meio, em pleno fim de semana de F-1
Blushell passeava pelo principado por entre muitos dos automóveis mais caros e
exclusivos do mundo pilotando um singelo Renault 4...
Em 1980 outro britânico também
chamou a atenção pela sua condução em Mônaco, mais precisamente na largada do GP. Partindo da 12aposição
no grid, o irlandês Derek Daly tentou fazer um traçado inédito na curva de
Saint Devote e lançou seu Tyrrell número 4 por sobre os rivais que estavam à
sua frente, entre eles o francês Jean-Pierre Jarier, então seu companheiro de
equipe. Os únicos que gostaram dessa frustrada inovação devem ter sido os
executivos da Candy, marca de eletrodomésticos que patrocinava a equipe naquele
ano
Patrocínios estranhos são outra característica do principado.
Dois nomes sobressaem: Zepter e Societé des Bain du Mer. A primeira é, de certa
forma, concorrente da Candy: de origem austríaca, esta fábrica de utensílios de
cozinha de alta qualidade é também um grupo ótico, financeiro e imobiliário,
com interesses em mais de 40 países tão díspares quanto Albânia, Dinamarca e
Moldovia. A Zepter já apoiou a equipe de Pedro Paulo Diniz e apareceu em
cartazes no GP do Brasil.
A segunda tem um histórico
digno de roteiros onde egos e interesses financeiros se misturam. Com mais de
três mil funcionários, a Societé des Bain du Mer (ou Monte-Carlo SBM) é o maior
empregador local e tem um capital declarado de € 24,5 milhões. Ao contrário do
que o nome (Sociedade dos Banhos de Mar) possa sugerir, a empresa explora
hotéis, restaurantes e, pleno da roleta, os cassinos do Principado, e tem
tentáculos em mais de 500 atividades de prestação de serviços. Com origens no
anos 1860, seu formato atual começou a ser delineado quando o príncipe Louis II
notou a queda de rendimentos nos cassinos locais logo após a I Guerra. Um
acordo com o comerciante de armas Basil Zaharoff assumiu o controle do negócio,
até então nas mãos de Camille Blanc.
No início da década de 1950 o golpe se repetiu através de
um grupo de empresas do Panamá, na realidade empresas de fachada de um grego de
nome Aristóteles Onassis. Uma série de divergências entre o armado e o príncipe
Rainier II ameaçou a sobrevivência do projeto e em 1966 a emissão de 600 mil
novas ações garantiu que ao governo local o controle acionário a companhia.
Após uma longa batalha judicial Rainier II adquiriu o restante das ações em
poder de Onassis por US$ 9,5 milhões, quantia que corrigida aos valores atuais
valem cerca de 30 vezes mais. Para evitar que o problema se repita o
Automóvel Clube de Mônaco colabora como pode. Além do Rally de Monte Carlo, que
acontece no inverno, há alguns anos a estrutura montada para o GP de F-1 é
utilizada para eventos que se alternam bienalmente: o GP histórico e uma etapa
da temporada da F-E, a categoria de carros elétricos.
Além de resultados inesperados
e surpreendentes, como as vitórias de Jarno Trulli (2004), Olivier Panis
(1996) e Jean-Pierre Beltoise (1972), erros como o antológico cometido por
Ayrton Senna na corrida de 1988 perdem para a desastrada comemoração do sueco
Bjorn Wirdheim na preliminar de F-3000 em 2003.
Após 66 voltas de um total
de 78 Senna liderava a prova com quase um minuto de vantagem sobre Alain Prost
quando diminuiu o ritmo, se desconcentrou e... bateu na Virage do Portier,
curva que dá acesso ao túnel, a poucas centenas de metros de sua casa. Horas
depois de ter amargado um retiro em seus aposentos, o brasileiro tentou
justificar o incidente alegando que um pneu traseiro do seu carro perdeu pressão
e o carro raspava no piso naquele trecho. Verdade ou mentira, a derrota entrou
para a história como o erro mais famoso de sua carreira na F-1.
Wirdheim não teve essa
oportunidade: ele não esperou a bandeirada de vitória mais importante de sua
carreira e começou a comemorar
efusivamente em outras poucas centenas de metros, neste caso, antes da
linha de chegada. Indiferente a isso o dinamarquês Nicolas Kiesa não deu a
mínima para os acenos que o rival fazia à sua equipe e assumiu a liderança da
prova a tão somente 50 metros. A carreira de ambos não progrediu na mesma
proporção do impacto causado pela bizarra situação.
Este ano as roletas dos
cassinos de Mônaco estão girando com apostas altas. Alguns investidores
depositaram suas esperanças de lucros futuros em leilões focados em acervos
focados em itens que iam desde gravuras a carros de F-1, passando por maletas
usadas por pilotos e relógios exclusivos. Entre os monopostos vendidos
incluem-se dois que foram usados por Ayrton Senna: o Toleman TG 184 com
que ele conquistou o segundo lugar em 1984, e o McLaren-Ford MP4/8A-Ford, carro
da sua sexta e última vitória em Mônaco, em 1993. O primeiro trocou de proprietário
pela quantia de R$ 7 milhões e o segundo por R$ 4,2 milhões.
Esse valores refletem bem
o estágio atual da McLaren. Por isso mesmo é ainda mais impressionante o
investimento de cerca de £200 milhões (R$ 1,055 bilhão) que a empresa Nidala
(BV) Limited, estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas, fez para comprar 10%
das ações do Grupo McLaren.
A considerar os resultados que essa equipe tem
conseguido nas pistas nas últimas temporadas a aplicação ganha tons menos
brilhantes que o “papaya orange” (laranja papaya), cor semelhante à adotada por
Bruce McLaren nos anos 1960 e que voltou a ser usado na Indy 500 de 2017 e na
F-1 este ano.
Ocorre que a Nidala é controlada pela Sofina, empresa do
ramo de proteína animal que teve lucro declarado de € 503 milhões em vendas
totais de aproximadamente € 15 bilhões em 2017. Não bastassem números
impressionantes, o impacto continua forte quando se nota que o capital da
Sofina é controlado pela família de Michael Latifi, pai de Nicholas Daniel Latifi (Ni-Da-La...), piloto de testes da Force India e
atual titular da DAMS na F-2. Entusiasta dos esportes e, em particular do
esporte a motor, Latifi sênior já patrocinou competições de kart nos Estados
Unidos, como o Florida Winter Tour. Ao que tudo indica, porém, seu interesse
maior é no potencial de lucros do projeto comercial implantado pela Liberty
Media e que foca no mercado norte-americano.
Se você pensou em comparar a
atitude do pai de Nicolas Latifi com a do pai de Lance Stroll, pense novamente:
não há por enquanto possibilidades de Nicolas ser aproveitado na McLaren (ele
disputa o treino livre 1 do GP do Canadá pela equipe Force India, onde é piloto
de testes) e a fortuna da família Latifi é considerada algumas vezes superior à
dos Stroll...
Falando em apostas altas, dos
260 jogos de pneus disponibilizados neste fim de semana (13 para cada um dos 20
pilotos inscritos), nada menos de 77,3% são do composto hiper macio (pink,
hypersoft), opção que será usada pela primeira vez. Essa escolha justifica-se
porque a velocidade média por volta é a mais baixa da temporada e a aderência e
desgaste do asfalto monegasco é das mais baixas. Segundo Mario Isola,
responsável do fabricante de pneus para a F-1, o novo composto permitirá tempos
cerca de 1” abaixo das marcas obtidas com o composto super macio. Mais uma
aposta a ser conferida...
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