Wagner Gonzalez |
Mônaco 2018: superação ou
distração?
O
circuito de Mônaco é conhecido como um dos mais difíceis para fazer
ultrapassagens, nem por isso elas deixam de acontecer nas estreitas ruas de
Monte Carlo, o bairro mais famoso do principado encravado no sul da França, bem
próximo à fronteira com a Itália. Se a vitória de Ayrton Senna
sobre Nigel Mansellem 1992 mostra como
evita-las, o
triunfo de Jochen Rindt em 1970, comprova que não
se deve jogar a toalha.
O único campeão póstumo da F-1 só liderou a corrida na
80a e última volta da corrida, quando Jack Brabham cometeu
um raro erro na penúltima curva da prova disputada naquele 10 de maio. Foram
duas corridas onde o arrojo de Senna foi exemplo de superação e a derrota de
Brabham, uma rara distração na carreira desse australiano tri-campeão mundial
(1959/60/66).
Dito
isso, como explicar que nem Sebastian Vettel tampouco Lewis Hamilton, que
completaram o pódio do GP deste ano, pouco ou nada se esforçaram para atacar o
vencedor Daniel Ricciardo? A vitória do sorridente piloto foi uma mostra de
superação frente aos seus maiores adversários ou uma uma distração dos seus
rivais? O cenário ganha tons de suspense quando todos que acompanharam a
corrida estavam a par dos problemas enfrentados pelo compatriota de Brabham:
uma pane no sistema de recuperação de energia do seu carro lhe custava tries
décimos de segundo a cada passagem pelo túnel.
O
problema com o motor do carro de Ricciardo significava perder três décimos de
segundo no trecho mais rápido do circuito, porém o australiano conseguia
compensar essa perda no restante do traçado de 3.337 metros de extensão. Dadas
as facilidades de comunicação da F-1 atual (as equipes têm acesso ao andamento
dos carros rivais, ouvem as conversas entre pilotos e box em tempo real e
contam com um ou dois estrategistas) não deixa de ser estranho que Vettel tenha
se acomodado no segundo lugar e Hamilton no terceiro
Tire sua dúvida: na marca
de 1’25” deste resumo da corrida pode-se ouvir
claramente o australiano falar aos seus engenheiros que estava perdendo
potência. Após a corrida tanto o alemão quanto o inglês optaram por declarações
diametralmente opostas para justificar suas atuações. Hamilton viajou para bem
longe e sugeriu mudar o traçado da pista. Vettel, que diminuiu para 14 pontos
sua desvantagem para o inglês no campeonato mundial (110x96), mostrou-se mais
modesto:
“No
início da prova eu consegui acompanhar o Daniel alguma facilidade, mas os pneus
se desgastaram rápido. No meio da prova ele teve alguns problemas com um
gerador de energia cinética (MGU-K) e no final, quando eu tentei aumentar o meu
ritmo, já não tinha muita confiança nos pneus.”
Lewis
Hamilton foi mais filosófico ao explicar sua atuação bastante aquém do seu
estilo aguerrido. Para o inglês, tetra-campeão mundial como Vettel, não se
deve esperar bons resultados da Mercedes em circuitos mais lentos:
“No
calendário de 21 etapas temos duas em circuitos lentos, daí nossa opção de
construir um carro voltado para as pistas de média e alta velocidade”.
De qualquer forma o inglês
de Stevenage, cidade próxima ao aeroporto de Luton, ao norte de Londres,
classificou a corrida como uma das mais chatas da sua carreira e lançou um
balão de ensaio para que os responsáveis pela prova comecem a pensar em mudar o
circuito:
“A
partir da quinta ou sexta volta estávamos andando em velocidade de cruzeiro, ou
seja, não era exatamente uma corrida. Mônaco é a prova mais especial da
temporada, mas o espetáculo está aquém do que o público espera assistir. Quem
sabe devêssemos mudar o formato do evento, impor dois pit-stops por piloto ou
até mesmo aproveitar que Mônaco agora tem mais ruas e aumentar o percurso do
circuito.”
Hamilton pode ter razão em
alguns pontos, mas nada do que pleiteou é garantia que a emoção vai marcar
presença em todos os GPs de Mônaco. Mesmo porque Valteri Bottas, seu
companheiro de equipe deixou claro que a Mercedes precisava aprender a usar os
compostos hyper macios, que serão usados novamente no GP do Canadá:
“O
pneu de composto super macio revelou-se o mais adaptado para o nosso carro, em
especial na segunda metade da prova, enquanto o hiper macio mostrou uma
degradação bastante rápida. Fiquei impressionado com o fato do Pierre Gasly ter
completado 37 voltas com esse equipamento; sem dúvida eles sabem de algo que
nós não sabemos.”
Não é de
hoje que os pneus acabam recebendo a culpa de resultados piores do que uma
vitória, mas neste fim de semana a Pirelli deu margem para que isso voltasse a
acontecer na primeira corrida do composto hiper-macio, identificado por letras
em tom rosa na banda lateral. Escolha majoritária dos pilotos para essa prova
(201 dos 260 jogos disponibilizados tinham essa especificação) a decisão é
explicada pela necessidade de explorar ao máximo todas as opções que
contribuíssem para garantir a melhor posição de largada. Até então praticamente
um desconhecido, estreando em um circuito de, onde entre um treino e outro
carros, ônibus e motos circulam livremente, o equipamento gerou tantas dúvidas
quanto economizou tempo, mas no final da corrida eram poucos os utilizaram a
novidade.
No melhor dos cenários
estão as estratégias de Nico Hulkenberg e Jos Verstappen. O alemão terminou em
oitavo calçando um jogo de hiper macios (já usados nos treinos) e contando com
uma pequena ajuda da equipe Renault. Cyril Abiteboul alegou que Hulkenberg
estava mais rápido que Carlos Sainz e ordenou que o espanhol abrisse passagem
para seu companheiro de equipe. O espanhol ainda foi superado por Jos
Verstappen, que largou na última fila (não marcou tempo em consequência de uma
batida no final do terceiro treino livre) e completou as últimas 31 voltas com
pneus super macios novos.
Num
cenário oposto exemplos apareceram nomes como Lance Stroll, que usou um total
de quatro jogos (ultra/super/hiper/hiper) durante a prova, mas nunca foi uma
carta inserida no baralho. Aliás a equipe Williams continua se superando e no
grid de largada mexeu no carro de Sergey Sirotkin quando isso não era mais
permitido. Isso fez com que o russo largasse dos boxes e desperdiçou a vantagem
que um excepcional e inesperado 12olugar no grid poderia lhe
garantir.
Sebastian
Vettel, assim como os sete primeiros colocados (Ricciardo, Vettel, Hamilton,
Räikkönen, Bottas e Ocón) largaram com hiper macios; os três últimos deste
grupo terminaram a corrida com super macios, versão mais durável
disponibilizada em Mônaco. Já os quatro primeiros com ultra macios, que ainda
deixam dúvidas quanto ao seu envelope ideal de uso, conjunto de condições
ideais para se obter o melhor rendimento do produto, que será usado em duas
semanas, no GP do Canadá.
Red Bull apostou no tudo ou nada
Quem acompanha a F-1 sem
dúvida não esqueceu que os pneus também influenciaram o desfecho da corrida de
2016, ainda que de maneira indireta: Daniel Ricciardo liderava com autoridade e
acabou prejudicado por uma desastrada troca de pneus. Dois anos depois o
australiano dominou o extenso fim de semana: em Mônaco o primeiro dia de
treinos acontece na quinta-feira e na sexta são disputados treinos e corridas
preliminares. Na corrida se impôs logo na largada e apesar dos problemas
técnicos em seu RBR 14-Aston Martin teve concentração para consolidar o
resultado que se esperava desde as provas de classificação.
A
pane no carro #3 aconteceu no sistema cinético de geração de energia, recurso
que pode gerar até 120 kW, ou cerca de 160 cv. Este vídeo da Honda, em inglês, ilustra o princípio
básico do funcionamento desse aparato que é usado em dois equipamentos em todos
os motores atuais da F-1; eles exploram o calor gerado durante as reduções de
velocidade (MGU-K) e o movimento gerado pelos gases expelidos pelo
turbo-alimentador (MGU-H), a primeira para recuperar energia cinética e a
segunda energia térmica, combinação que eleva o motor V6 de combustão interna à
condição de “unidade híbrida de potência”. De acordo com Christian Horner, o
chefe da equipe Red Bull, a situação no carro de Ricciardo chegou a níveis
catastróficos:
“Quando
o Daniel queixou-se da perda de potência nossos engenheiros detectaram que o
MGU-K parou de funcionar completamente e chegamos a considerar que ele
abandonasse a prova para poupar estragos à unidade de potência. Eu fui contra e
insisti que ele continua na pista enquanto o motor aguentasse.”
Segundo
Horner, sem o recurso do MGU-K os freios traseiros ficaram sobrecarregados e
atingiram temperatura próxima de provocar um incêndio. A solução foi passar
mais pressão para os freios dianteiros e trocar de marcha em rotações mais
baixas nos trechos de alta velocidade, o que explica a aproximação de Vettel no
túnel, e adotar um estilo de pilotagem mais suave. A aposta valeu a pena: não
só o motor aguentou até o fim como Ricciardo liderou a prova da primeira até a
última volta.
Com esse resultado Daniel
Ricciardo igualou os números de vitórias (duas) que Hamilton e Vettel já
conseguiram este ano; com isso, ele, em teoria, mostraram que podem embolar um
campeonato que ainda tem na Mercedes e na Ferrari seus principais concorrentes.
A situação poderia estar ainda mais equilibrada, não fosse a campanha errática
de Jos Verstappen, cujos arroubos de euforia estão valorizando cada vez mais o
passe do australiano no mercado de pilotos.
O
resultado completo do GP de Mônaco você encontra aqui.
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