Wagner Gonzalez |
Hamilton e Fangio, 5 títulos em comum
Comparar heróis, alhos e bugalhos é uma obsessão tão
humana quanto ilusória e desde o último domingo o universo da F-1 tem mais um
motivo para debates, tertúlias e praticamente nenhuma conclusão. Ao terminar o
Grande Prêmio do México em quarto lugar, duas posições atrás de Sebastian
Vettel, Lewis Hamilton garantiu seu quinto título mundial na categoria onde
durante décadas Juan Manuel Fangio foi o maior campeão de todos os tempos.
O
tempo, mestre dos mestres, mostrou que Alain Prost, Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi,
Fernando Alonso, Graham Hill, Jackie Stewart, Jim Clark, Mika Häkkinen, Nelson
Piquet, Niki Lauda, Sebastian Vettel – nomes citados na ordem alfabética – e
Lewis Hamilton conseguiram pelo menos dois títulos e se aproximaram do
argentino em momentos diferentes. Apenas o alemão Michael Schumacher conseguiu
superar, com algumas atuações geniais e outras tantas discutíveis, a marca de
“Chueco”, como o natural de Balcarce era conhecido entre seus pares argentinos
Do primeiro título de Fangio, em 1951, à consagração de
Lewis Hamilton no último fim de semana muita coisa mudou: as temporadas
tornaram-se cada vez mais longas e passaram a visitar quatro, até cinco
continentes por ano; o clima de aristocracia foi cruelmente aniquilado por
outro de fama e prestígio, financiado por marcas cada vez mais planetárias; os
heróis ganharam créditos de vida graças a carros mais seguros e... A lista é
enorme e não faltará quem lembre que Fangio era um sudaca no meio do sangue
azul europeu e que Hamilton é o primeiro negro a se firmar no panteão do
automobilismo mundial, ou que Fangio teve parte de sua carreira internacional
bancada pelo governo de Juan Perón e que o pai de Hamilton foi paitorcinador
até que ROn Dennis assumisse a carreira do jovem inglês. Ainda assim a taça
dessa história estará longe de ser considerada meio cheia ou meio vazia,
depende do ponto de vista que caracteriza cada um de nós.
Quem acompanha a F-1 com doses invioláveis de paixão pelo
automobilismo consegue enxergar que Lewis Hamilton atravessa a melhor fase de
sua carreira e, por tabela, deixa de lado o fato da Mercedes, sua equipe, ter
montado uma estrutura onde o índice de erros é contado com uma referência digna
do consumismo atual: ppm, ou partes por milhão. Os cinco títulos do cidadão
mais famoso de Stevenage, cidade próxima ao aeroporto de Luton, conhecido pelos
vôos baratos para outras cidades da Europa, estão diretamente ligados à marca
alemã. O de 2008, conquistado na penúltima curva da última volta do GP do
Brasil, foi a bordo de um McLaren-Mercedes, o MP4-23 desenhado por Neil Oatley,
Simon Lacey e Tim Goss. Os títulos de 2014/15/17/18 foram pela equipe oficial
de Sttutgart.
Um tanto diferente de Juan Manuel Fangio, piloto da Alfa
Romeo em 1951, Maserati (meia temporada de 1954 e 1957), Mercedes (meia
temporada de 1954 e 1955) e Ferrari (1956). O fato de trocar de equipe no meio
do ano e chegar ao título já mostra como tudo era diferente naquela época,
época em que o capacete era uma bijuteria de acabamento em couro e não as joias
de fibra de carbono feitas sob medida hoje em dia. Quem leu sobre o argentino
ou é felizardo em tê-lo visto em ação, não vai se lembrar de uma temporada em
particular: prefere certamente classifica como ponto alto de sua carreira a
vitória no GP da Alemanha de 1957, disputado no lendário Nürburgring, uma
sequência de curvas de todos os tipos, formatos, aclives e declives.
Lewis Hamilton vive em um mundo típico da expressão show
business: após um fim de semana onde leva seu cão Roscoe para passear pelos
paddocks do mundo, na segunda-feira ele pode estar discutindo moda com seus
amigos de uma grife de apelo pseudo-chique-esportiva, velejar em águas de
alguma praia de milionários ou curtindo um Ford Cobra, uma La Ferrari ou
qualquer outro dos seus superesportivos mantidos em garagens espalhados pelo
mundo. Seu escritório pode ser tanto seu jato particular quanto uma suíte de
hotel ou qualquer lugar com acesso à internet e onde o rap seja tocado sem
parcimônia. No ano passado, quando a Liberty promoveu um mega-evento
promocional da F-1 em torno de Trafalgar Square, às vésperas do GP da
Grã-Bretanha, Hamilton sequer estava no país: preferiu tirar uns dias de folga
com amigos.
Certa vez eu e o colega Luiz Alberto Pandini fomos à
cidade de Balcarce para conhecer o Museu Juan Manuel Fangio e graças a alguns
amigos locais consegui a oportunidade de encontrar Toto Fangio, irmão seis anos
mais novo de Juan Manuel. Talvez por sermos arianos, nascidos em 17 (ele) e 18
(eu) de abril de 1917 e 1954, respectivamente, a empatia foi imediata: em poucos
minutos estávamos entrando na casa de número 321 da rua 13, a alguns
quarteirões do museu. Alguns passos pela construção ao longo da metade direita
de um extenso terreno, residência que crescia no ritmo que a família de Loreto
Fangio aumentava, entro no quarto espartano e organizado que era mantido para
eventuais visitas de “el Quíntuple”, como os “tuercas” (os argentinos fanáticos
por automobilismo) se referiam ao penta-campeão. Um cenário que exalava o aroma
de casas simples e mantidas com carinho e respeito, o mesmo respeito que fez
Don Loreto montar a torre da antena de televisão em torno de uma pequena árvore
para evitar derrubar aquele enorme limoeiro
Desconheço se algum jornalista já visitou alguma casa ou
condomínio de Lewis Hamilton ou de algum piloto de primeira linha da F-1
contemporânea. Não por acaso ou coincidência, até mesmo o estado de saúde
Michael Schumacher é mantido sob segredo digno de um código de ataque nuclear,
quase cinco anos após seu acidente quando esquiava na França.
Lee Gaugh, que serviu ao Corpo de Marines na guerra da
Coréia antes de assumir a gerência da Goodyear na F-1, frequentou a categoria
num período em que Fangio já cuidava há anos de suas revendas Mercedes na
Argentina e Hamilton dava seus primeiros passos no kart. Um dos personagens
mais sociáveis da F-1 dos anos 198/1990, Gaugh vivia cruzando o Atlântico a
cada GP, ou seja, praticamente semana sim e outra também, e gostava de amenizar
os efeitos do fuso horário em bons papos regados a uísque comprado em
free-shops. Com seu jeito tranquilo ele descreveria as formas com que Fangio e
Hamilton chegaram ao pentacampeonato com um dos seus postulados sobre como
viver a vida sem estresse:
Roscoe, o bulldog de Lewis Hamilton, viaja pelo mundo com seu dono |
“Não há nada absolutamente certo, tampouco nada
absolutamente errado: você sempre pode aproveitar o lado bom de tudo”.
Juan Manuel Fangio e Lewis são, pelo menos até a decisão
do titulo de 2019, os únicos pilotos que venceram cinco vezes o Campeonato
Mundial de F-1, cada um à sua maneira e ao seu tempo.
O resultado completo do GP do México, vencido por Max
Veerstappen, você encontra clicando aqui.
Entendimento meu, o que põe Fangio à frente de Hamilton é justamente a forma da conquista do pentacampeonato. Para Hamilton, que tem o melhor carro da temporada, um 5º (ou até 7º) lugar nesta corrida bastava. Fangio para chegar ao pentacampeonato, pilotando um carro reconhecidamente inferior a outros, precisava vencer o GP da Alemanha, e venceu. Na hora do tudo ou nada, Fangio foi lá e resolveu. Ingo Hofmann (o não piloto)
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