terça-feira, 30 de outubro de 2018

Wagner Gonzalez em Conversa de pista

Wagner Gonzalez

Hamilton e Fangio, 5 títulos em comum
Comparar heróis, alhos e bugalhos é uma obsessão tão humana quanto ilusória e desde o último domingo o universo da F-1 tem mais um motivo para debates, tertúlias e praticamente nenhuma conclusão. Ao terminar o Grande Prêmio do México em quarto lugar, duas posições atrás de Sebastian Vettel, Lewis Hamilton garantiu seu quinto título mundial na categoria onde durante décadas Juan Manuel Fangio foi o maior campeão de todos os tempos. 

O tempo, mestre dos mestres, mostrou que Alain Prost, Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi, Fernando Alonso, Graham Hill, Jackie Stewart, Jim Clark, Mika Häkkinen, Nelson Piquet, Niki Lauda, Sebastian Vettel – nomes citados na ordem alfabética – e Lewis Hamilton conseguiram pelo menos dois títulos e se aproximaram do argentino em momentos diferentes. Apenas o alemão Michael Schumacher conseguiu superar, com algumas atuações geniais e outras tantas discutíveis, a marca de “Chueco”, como o natural de Balcarce era conhecido entre seus pares argentinos

Do primeiro título de Fangio, em 1951, à consagração de Lewis Hamilton no último fim de semana muita coisa mudou: as temporadas tornaram-se cada vez mais longas e passaram a visitar quatro, até cinco continentes por ano; o clima de aristocracia foi cruelmente aniquilado por outro de fama e prestígio, financiado por marcas cada vez mais planetárias; os heróis ganharam créditos de vida graças a carros mais seguros e... A lista é enorme e não faltará quem lembre que Fangio era um sudaca no meio do sangue azul europeu e que Hamilton é o primeiro negro a se firmar no panteão do automobilismo mundial, ou que Fangio teve parte de sua carreira internacional bancada pelo governo de Juan Perón e que o pai de Hamilton foi paitorcinador até que ROn Dennis assumisse a carreira do jovem inglês. Ainda assim a taça dessa história estará longe de ser considerada meio cheia ou meio vazia, depende do ponto de vista que caracteriza cada um de nós.

Quem acompanha a F-1 com doses invioláveis de paixão pelo automobilismo consegue enxergar que Lewis Hamilton atravessa a melhor fase de sua carreira e, por tabela, deixa de lado o fato da Mercedes, sua equipe, ter montado uma estrutura onde o índice de erros é contado com uma referência digna do consumismo atual: ppm, ou partes por milhão. Os cinco títulos do cidadão mais famoso de Stevenage, cidade próxima ao aeroporto de Luton, conhecido pelos vôos baratos para outras cidades da Europa, estão diretamente ligados à marca alemã. O de 2008, conquistado na penúltima curva da última volta do GP do Brasil, foi a bordo de um McLaren-Mercedes, o MP4-23 desenhado por Neil Oatley, Simon Lacey e Tim Goss. Os títulos de 2014/15/17/18 foram pela equipe oficial de Sttutgart.

Um tanto diferente de Juan Manuel Fangio, piloto da Alfa Romeo em 1951, Maserati (meia temporada de 1954 e 1957), Mercedes (meia temporada de 1954 e 1955) e Ferrari (1956). O fato de trocar de equipe no meio do ano e chegar ao título já mostra como tudo era diferente naquela época, época em que o capacete era uma bijuteria de acabamento em couro e não as joias de fibra de carbono feitas sob medida hoje em dia. Quem leu sobre o argentino ou é felizardo em tê-lo visto em ação, não vai se lembrar de uma temporada em particular: prefere certamente classifica como ponto alto de sua carreira a vitória no GP da Alemanha de 1957, disputado no lendário Nürburgring, uma sequência de curvas de todos os tipos, formatos, aclives e declives.

Lewis Hamilton vive em um mundo típico da expressão show business: após um fim de semana onde leva seu cão Roscoe para passear pelos paddocks do mundo, na segunda-feira ele pode estar discutindo moda com seus amigos de uma grife de apelo pseudo-chique-esportiva, velejar em águas de alguma praia de milionários ou curtindo um Ford Cobra, uma La Ferrari ou qualquer outro dos seus superesportivos mantidos em garagens espalhados pelo mundo. Seu escritório pode ser tanto seu jato particular quanto uma suíte de hotel ou qualquer lugar com acesso à internet e onde o rap seja tocado sem parcimônia. No ano passado, quando a Liberty promoveu um mega-evento promocional da F-1 em torno de Trafalgar Square, às vésperas do GP da Grã-Bretanha, Hamilton sequer estava no país: preferiu tirar uns dias de folga com amigos.

Certa vez eu e o colega Luiz Alberto Pandini fomos à cidade de Balcarce para conhecer o Museu Juan Manuel Fangio e graças a alguns amigos locais consegui a oportunidade de encontrar Toto Fangio, irmão seis anos mais novo de Juan Manuel. Talvez por sermos arianos, nascidos em 17 (ele) e 18 (eu) de abril de 1917 e 1954, respectivamente, a empatia foi imediata: em poucos minutos estávamos entrando na casa de número 321 da rua 13, a alguns quarteirões do museu. Alguns passos pela construção ao longo da metade direita de um extenso terreno, residência que crescia no ritmo que a família de Loreto Fangio aumentava, entro no quarto espartano e organizado que era mantido para eventuais visitas de “el Quíntuple”, como os “tuercas” (os argentinos fanáticos por automobilismo) se referiam ao penta-campeão. Um cenário que exalava o aroma de casas simples e mantidas com carinho e respeito, o mesmo respeito que fez Don Loreto montar a torre da antena de televisão em torno de uma pequena árvore para evitar derrubar aquele enorme limoeiro
  
Desconheço se algum jornalista já visitou alguma casa ou condomínio de Lewis Hamilton ou de algum piloto de primeira linha da F-1 contemporânea. Não por acaso ou coincidência, até mesmo o estado de saúde Michael Schumacher é mantido sob segredo digno de um código de ataque nuclear, quase cinco anos após seu acidente quando esquiava na França.

Lee Gaugh, que serviu ao Corpo de Marines na guerra da Coréia antes de assumir a gerência da Goodyear na F-1, frequentou a categoria num período em que Fangio já cuidava há anos de suas revendas Mercedes na Argentina e Hamilton dava seus primeiros passos no kart. Um dos personagens mais sociáveis da F-1 dos anos 198/1990, Gaugh vivia cruzando o Atlântico a cada GP, ou seja, praticamente semana sim e outra também, e gostava de amenizar os efeitos do fuso horário em bons papos regados a uísque comprado em free-shops. Com seu jeito tranquilo ele descreveria as formas com que Fangio e Hamilton chegaram ao pentacampeonato com um dos seus postulados sobre como viver a vida sem estresse:
Roscoe, o bulldog de Lewis Hamilton, viaja pelo mundo com seu dono
“Não há nada absolutamente certo, tampouco nada absolutamente errado: você sempre pode aproveitar o lado bom de tudo”.

Juan Manuel Fangio e Lewis são, pelo menos até a decisão do titulo de 2019, os únicos pilotos que venceram cinco vezes o Campeonato Mundial de F-1, cada um à sua maneira e ao seu tempo.

O resultado completo do GP do México, vencido por Max Veerstappen, você encontra clicando aqui.

Um comentário:

  1. Entendimento meu, o que põe Fangio à frente de Hamilton é justamente a forma da conquista do pentacampeonato. Para Hamilton, que tem o melhor carro da temporada, um 5º (ou até 7º) lugar nesta corrida bastava. Fangio para chegar ao pentacampeonato, pilotando um carro reconhecidamente inferior a outros, precisava vencer o GP da Alemanha, e venceu. Na hora do tudo ou nada, Fangio foi lá e resolveu. Ingo Hofmann (o não piloto)

    ResponderExcluir