Wagner Gonzalez |
Depois da tempestade, a Hungria
O GP da Alemanha disputado no último domingo surpreendeu
por vários aspectos e consolidou pelo menos dois. No primeiro caso destaca-se a
chuva que marcou um domingo do verão mais quente da Europa das últimas décadas,
fenômeno que afogou os planos e desejos de muitas equipes, em particular a
Mercedes, que comemorava 125 anos de automobilismo. No segundo uma nova
apresentação marcante de Max Verstappen e o amadurecimento, a duras penas, de
Charles Leclerc.
No próximo final de semana a categoria poderá viver outro fim
de semana memorável: o campeonato chega à sua etapa mais quente do ano, o GP da
Hungria prova disputada
num vale que remete ao relevo de Interlagos.
A corrida em Hockenheim, que pode ter sido o último GP da
Alemanha neste motódromo inaugurado nos anos 1960, tinha tudo para ser uma
festa antológica da Mercedes. Para celebrar os 125 anos de história no
automobilismo a marca alemã produziu até mesmo uma nova coleção de uniformes
para toda sua equipe: em lugar das calças pretas e camisas brancas, blazers e
gravatas no primeiro escalão e macacões igualmente vintage, com direito a
chapéus idem, para os mecânicos. Até mesmo o sisudo Toto Wolff apareceu para trabalhar
usando gravata e suspensórios.... Em que pese sofisticados programas para
prever a meteorologia, a chuva que compareceu em várias intensidades e
diferentes momentos não poupou praticamente ninguém no domingo.
Nem mesmo a decisão em encurtar o percurso da prova de 67
para 64 voltas logo após a largada diminuiu uma longa série de rodadas e
batidas durante a corrida. Praticamente nenhum piloto escapou de sair da pista
ou rodar e muitos deles acabaram parando de forma inusitada, contra as
barreiras de proteção, caso de Nico Hulkenberg (piloto que jamais subiu ao pódio
em quase 160 largadas), Valtteri Bottas (que perdeu uma excelente chance de
diminuir a desvantagem que o separa do líder do campeonato, Lewis Hamilton) e
Charles Leclerc (o monegasco voltou a mostrar velocidade e imaturidade), cada
vez mais perto de consolidar como grande rival do vencedor Max Verstappen,
outro que também rodou e deu suas escapadas da pista. Em uma atuaçnao para se
redimir seu erro crasso na corrida do ano passado, Sebastian Vettel largou em
último - cortesia de problemas mecânicos em seu Ferrari durante a primeira fase
da prova de classificação - e terminou em segundo.
Diminuir o percurso em 13.722 metros não afetou a
indecisão da chuva em sumir ou assumir a condição de garoa garantiu um
espetáculo com toques de pastelão e pitadas de despeito ao bom senso envolvendo
ninguém menos que a Mercedes e seu mega starLewis Hamilton. O inglês cruzou
a última curva do traçado de 4.574 metros para entrar no box inesperadamente
após danificar o bico do seu carro – peça pintada em branco, cor oficial da
Alemanha no automobilismo, para entrar no clima da festa. O que se viu ali foi
uma sucessão de erros jamais esperada para um time até então com uma mão no
status de equipe perfeita. O resultado completo do GP da Alemanha você encontra aqui.
Se tudo isso já é passado, o futuro promete mais. Se é
erdade que Juan Manuel Fangio eternizou a expressão “corridas são corridas”,
síntese de que após a largada tudo pode acontecer, o retrospecto do GP da
Hungria, cuja edição de 2019 acontece domingo, confirma isso e alegra as casas
de apostas. Se a prova magiar quase sempre remete a uma procissão, de tão
difícil que é ultrapassar no circuito magiar, não faltam momentos espetaculares
em seu retrospecto. Da antológica disputa entre Nelson Piquet e Ayrton Senna no
primeiro GP do país, em 1986 (duelo vencido pelo primeiro), passando pela quase
vitória de Damon Hill a bordo de um nunca competitivo Arrows-Yamaha em 1997 até
a fechada de Michael Schumacher sobre Rubens Barrichello em plena reta dos
boxes e à vista do público, em 2010, são vários momentos de emoção nessa
história.
Aquela corrida de 1986, aliás, marcou a última aparição
de um dos maiores jornalistas que representou o Brasil na F-1, o húngaro
naturalizado brasileiro Janos Lengyel. Sempre solícito, Lengyel se desdobrou
acima do que lhe era possível para ajudar os seus colegas compatriotas e a
saúde algo debilitada dos seus 67 anos cobrou caro. Teve um infarto leve na
quarta-feira e na sexta outro mais forte, que o levou a ficar internado no
hospital local. Trasladado à Genebra, onde vivia, faleceu na semana seguinte.
Tive a honra de substitui-lo na Comissão de Imprensa de F-1 da FIA a partir de
1987.
O que torna Hungaroring tão diferente é um conjunto de
fatores: a corrida acontece em pleno verão húngaro, após poucas voltas a pista
ganha uma trilha limpa que limita as ultrapassagens arrojadas e o traçado da
pista de 4.381 percorre um terreno semelhante ao de Interlagos. Se normalmente
o clima local nesta época do ano é digno do nordeste brasileiro, a atual onda
de calor da Europa transformará as colinas de Hungaroring em um palco ainda
mais próximo de Jericoacoara ou Porto de Galinhas, evidentemente sem suas belas
praias. O vale onde foi construída a pista impede a melhor circulação do ar, o
que implica em maior desgaste físico dos pilotos, e as suas retas curtíssimas
mantém os pneus em temperatura mais elevada, o que pode exacerbar ou mitigar
problemas deste ou daquele chassi.
Como as curvas são próximas uma das outras, o traçado
ideal define uma faixa estreita de pista limpa; em outras palavras, qualquer
disputa de freada leva os carros a andar sobre um asfalto mais sujo e menos
aderente, aumentando o risco de bater e diminuindo as chances de sucesso. Menos
mal que este ano assistimos ao surgimento da grande rivalidade da década, a
briga entre Charles Leclerc e Max Verstappen. Para estes dois, após a largada o
céu é o lugar mais alto do pódio, o resto normalmente se materializa como um
resultado dos infernos.
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