Existe uma diferença monstruosa entre criar, do zero ao
cem por cento, um produto para um fim e pegar algo que já existe e adaptá-lo ao
que deveria ter sido concebido do zero. A história mostra que essa máxima se
aplica a tudo; o termo adaptar sempre soa mal, porque já deixa na cara que “a
coisa pode até dar certo, mas a tendência é que de bastante errado”. Tentativa e erro, mesmo hoje, na era da
tecnologia e de estarmos, em 99,9% dos casos, apenas melhorando ou viabilizando
o que já foi projetado lá no século 18, ainda é um modus operandi bastante
empregado, e isso, diga-se de passagem, acontece em todos os setores da
indústria, medicina, ciências etc.
Logicamente, assim como os veículos evoluíram – pouco, em
vista do que poderiam e deveriam, sendo constantemente freada sua evolução por
saber que,ao empregar determinadas tecnologias ou materiais,deixaria-se muitos
países sem ter o que fazer com alguns produtos que garantem sua subsistência –
a blindagem evoluiu também, como já visto anteriormente. Mas ainda é uma
adaptação. Exceto no setor militar, nada é projetado e desenvolvido para ser
construído blindado, pelo contrário, a busca incessante da indústria automotiva
é reduzir peso e custo, e isso leva, evidentemente, ao emprego de materiais com
características diametralmente opostas a alta resistência e grande durabilidade.
As boas empresa de blindagem fazem, efetivamente, um bom
serviço, procuram os melhores materiais, calculando-se custo e benefícioutilizam
equipamentos de qualidade e primam pelo acabamento do trabalho. O investimento
em ferramental, pessoal e royalties não é pequeno, o custo fixo de uma oficina
dessas idem, porém, todo o trabalho feito nada mais é do que adaptar um projeto
desenvolvido para X a suportar Y. Toda a elaboração de um veículo é basicamente
pautada por seu fabricanteno segmento em que ira se situar, quantidade de
passageiros a transportar, bagagem possível, design e em chegar o mais próximo
do equilíbrio ideal entre peso e potência. Motor, transmissão, suspensões,
freios, direção – e todos os componentes intermediários que unem tudo isso –
são calculados em função de todos esses dados. Antigamente era comum super-dimensionarem
essas peças e componentes; atualmente é o contrário o mais corriqueiro,
principalmente em modelos voltados para produção e consumo em grande escala.
Alguns fatores devem ser profundamente analisados quando
você for escolher o seu blindado Nivel III-A, já que usamos este nível de
blindagem para exemplificar toda a matéria. Comece pela montadora e modelo do
veículo. Existem montadoras consagradas, cujos modelos são dealta liquides;
existem montadoras que vivem no meio termo, e existem, claro, as montadoras
cujos produtos são imediatamente “queimados” no mercado. Tudo isso,
principalmente no Brasil, independe da efetiva qualidade (ou falta de...) que
cada marca oferece em seus modelos, tanto fazendo se os carros são nacionais ou
importados. Nosso país tem uma complexa incultura automotiva, é recheado de tabus
e, talvez lá pelo século 28, os consumidores tenham aprendido a escolher suas
opções pelo que elas são e não pelo que ouviu dizer. Some a esse fator o que há
de mais simples, ou seja, a utilidade do modelo. Quantas pessoas deverão,
normalmente, ser transportadas é um dado muito importante. Escolhido o modelo,
comece a fazer contas. Normalmente, os modelos mais vendidos no mercado são os
maiores alvos de assaltantes, e deve ser por isso que você está pensando que
uma versão blindada desse modelo será a salvação da sua lavoura. Não é bem
assim.
Para exemplificar, vamos utilizar o sedan médio mais
vendido no primeiro trimestre por aqui, o Toyota Corolla, oferecido no mercado
em duas versões de motorização, 1,8 e 2,0 litros e cinco versões de acabamento,
sendo o Corolla Altis o Top de Linha. É um sedan médio, para cinco passageiros,
mede 4,54m de comprimento, 1,76m de largura e 1,48m de altura e a capacidade de
seu porta-malas é de 470 litros de volume. Seu peso total é de 1.290 kg, com
todos os fluidos, sem passageiros, motorizado com uma unidade de quatro
cilindros 2,0 litros e153 Cv de potência. Fazendo as contas, saberemos que sua
relação peso-potência (quantos Kg cada Cv de potência desloca) é:1.290 Kg
divididos por153 Cv= 1 Cv de potência para cada 8,5Kg de peso. Um ser humano
adulto pesa, em média, 80 kg. Nenhum sedan médio do planeta foi feito para
transportar 5 adultos; o comum, em situações normais, é sua lotação ser de 4
adultos. O peso dos ocupantes, então, será de:80Kg x 4 = 320Kg. Para simplificar
o cálculo de carga no porta-malas, vou usar como fator o peso de 60Kg, o mesmo
que um saco de cimento, e carga total sobre os eixos do veículo será de:320 Kg +
60Kg = 380Kg, o que nos levaria então ao peso total do veículo com carga: 1.290
Kg +380 Kg = 1.670 Kg, e a relação peso-potênciapassaria então para: 1 Cv de
potência para cada 11Kg de peso. Logicamente, muito raramente um veículo
trafega com lotação máxima e carga o tempo todo, tampouco fica estacionado
sobre seus eixos com esse peso extra. Os fabricantes de componentes e as
montadoras sabem disso, e estabelecem limites de tempo para o desgaste e troca
desses componentes. Molas, amortecedores, embreagens, embuchamentos de
suspensões, discos e pastilhas de freios e pneus tem sua vida útil calculados
em virtude dessas médias de desgaste.
Utilizemos o mesmo Toyota Corolla Altis, com seus 1.290Kg
e adicionemos o peso médio da blindagem Nível III-A ao veículo, que é de160Kg.
Teremos, então, constantemente sobre os eixos, o peso real de 1.450 Kg, e a
relação peso-potência bruta do Corolla Altis será de 1.450 / 153 Cv = 9,5 Kg
para cada 1 Cv de potência. Parece pouco? Então, adicione o peso dos 4
ocupantes,320 Kg, a esse peso, e teremos 1.770 Kg, com a relação peso-potência indo
para 11,6 Kg por 1 Cv de potência. Com
os 60 Kg de carga, chegamos a 1.830 Kg e a necessidade de cada 1Cv carregar 12
Kg. Se você acha que está tudo bem, então vou te contar que um Novo Gol 1.0
litros, 3 portas, pesa 919 Kg, seu motor tem 76 Cv de potência e sua relação
peso-potência é de... 1Cv de potência para cada 12 Kg. Você terá, então, um
veículo com valor sugerido de R$ 85.480,00, onde investiu a média de R$
50.000,00 de blindagem e toda uma burocracia de documentos, que acabou te
custando um total aproximado de R$ 135.470,00 para andar vazio ou ter o mesmo
desempenho de um carro popular com motor 1.0 com valor médio de R$ 30.000,00. Parou
de achar que está tudo bem? Não? Então elevemos a potência e vamos utilizar um Volkswagen
JettaHighlineTSi 2.0, com 200 Cv de potência,que pesa 1.365 Kg brutos e sua
relação peso-potência é de 6,82 Kg de peso para cada 1 Cv de potência.
Blindando em Nível III-A, pesará em média 1.545 Kg, e a relação peso-potência irá
para 7,72 Kg de peso por 1Cv de potência, chegando a 9,8 Kg para cada 1 Cv de
potência com 4 ocupantes e 60 Kg de bagagem, a um custo médio de R$ 140,000,00,
oferecendo então o mesmo desempenho de um Fiat NovoNovo Pálio 1.6 com 117 Cv,
relação peso-potência de 9,3 Kg para cada 1Cv de potência ecujo valor de
mercado é de R$ 40.000,00 em média. Lembrando que todos os componentes e
estrutura do carro sofrerão desgaste muito mais rápido, e o custo de manutenção
também aumenta vertiginosamente, além da manutenção específica da blindagem,
principalmente os vidros, que sofrem delaminação e todos os efeitos mecânicos
que afetam os vidros convencionais também afetam um vidro balístico.
Então, agora sim, sabendo de tudo isso, mesmo assim você
está pronto para sair as ruas e gargalhar ao se ver na mira de uma arma que
desconhece o calibre, a munição e o conhecimento do agressor sobre blindagem?
Se acha que sim, é melhor continuar lendo esta matéria até o fim...
Renato Pereira – renato@autopolis.com.br
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