Wagner Gonzalez |
Chamem o Sully
No último fim de semana os comissários desportivos do
Grande Prêmio do Canadá tiveram muitos minutos para decidir o que fazer com uma
manobra envolvendo Sebastian Vettel e Lewis Hamilton e criaram um fato que
entrou para a história da F-1, mas não por motivos louváveis. Nos últimos anos
a Confederação Brasileira de Automobilismo vive envolta em um processo de
decadência que, graças aos responsáveis das últimas gestões pode culminar com a
perda da sua sede no Rio de Janeiro e a própria razão de existir. Ao decidir
pousar o Airbus A320 prefixo N160US nas águas do Rio Hudson o
comandante
Chesley Sullenberger salvou mais de 150 vidas em uma decisão tomada em
segundos, contraditória ao que propunham alguns controladores de voo, e entrou
para história como herói.
A analogia entre os três casos é válida: Sully
Sullenberger agiu com base em sua experiência real e foi obteve sucesso. Mesmo
assim enfrentou um longo processo para provar que agiu com mais eficiência que
seus inquisidores. Enquanto estes tiveram dias para pesquisar qual seria a
melhor saída para
aquele momento usando computadores e simuladores, ele usou
seu conhecimento para escolher o que considerou a melhor opção e garantiu um
final feliz. Trata-se de uma história que pode ser dissecada em livro ( Sully,
o herói do rio Hudson, escrito pelo pelo próprio Sullenberger, Amazon) em filme
(Sully, direção de Clint Eastwood e com Tom Hanks nopapel principal) e até
mesmo um musical que não obteve o mesmo sucesso das duas mídias anteriores
Em uma pista de corridas há menos vidas em risco que em
um jato de passageiros e a F-1 representa o que há de mais avançado em sistemas
de apoio. Mais, a F-1 é uma categoria onde o entretenimento é um dos valores
mais caros e seus sistemas de comunicação estão entre os mais eficientes.
Certamente que a humanidade tem lá suas falhas, mas é custoso acreditar que
entre os quatro comissários desportivos da prova não houve consenso para deixar
a corrida continuar normalmente tal
como ocorreu no GP de Mônaco de 2016.
Naquela prova Lewis Hamilton agiu contra Daniel Ricciardo da mesma forma que
Vettel agiu com o inglês e não foi punido. Tivesse sido assim todos ganhariam,
em especial o público que aprecia a F-1 e que, em última análise, sustenta todo
o negócio: a disputa entre os dois prometia bastante e, independente do
resultado, teríamos um GP para lembrar por motivos mais nobres e esportivos.
Entre nós, os tempos e movimentos são ainda mais
espaçados e, principalmente, preocupantes. O sistema político que rege o
esporte brasileiro infere à todas modalidades um universo onde o aspecto
negócio é praticado com cores de pecado e o amadorismo é louvado de forma
incolor, insípida e inodora. No automobilismo, não é diferente: a diretoria da
Confederação Brasileira de Automobilismo, a CBA, é formada em uma eleição onde
um princípio democrático é praticado de forma deturpada, no mínimo discutível,
e os os atletas desta equação – os pilotos -, são equivalentes a pouco mais que
nada e não tinham, até pouco tempo atrás, direito a voto.
Nos últimos dias o jornalista Américo Teixeira Júnior
desvendou com base em documentos o que há semanas era cogitado entre os
automobilistas: consequência de uma negociação mal feita e explicada de forma
ainda pior, a CBA pode perder sua sede no Rio de Janeiro, um andar inteiro em
prédio no bairro da Glória e com vista para a marina local. Tudo porque o
subsídio pago pela prefeitura de Ribeirão Preto, com base em dotação do
Ministério do Turismo, para a promoção de corridas de Stock Car na cidade
paulista, não foi justificado da forma correta e acabou despertando atenção do
Ministério Público. A dívida está em torno em R$ 1.7 milhão e também envolve a
Vicar, a promotora da categoria; o imóvel da entidade pode ser
indisponibilizado enquanto a dívida não for paga.
Não bastasse isso, o número de campeonatos brasileiros
vem decaindo de forma alarmante e apenas o kart tem ficado aquém de situações
que beiram o vexame público. A principal categoria brasileira de velocidade no
asfalto, a Stock Car, teve o resultado contestado em duas das últimas três
etapas e seu líder, o ex-piloto Carlos Col, já não esconde sua insatisfação com
a forma como o esporte é gerenciado. Nas categorias com carros de turismo, os
mais próximos dos disponíveis no mercado, há praticamente mais regulamentos
diferentes do que campeonatos importantes; nas categorias de base – eufemismo
para disputas com monopostos de baixa potência -, a CBA nada faz para
contribuir na difusão de categorias de baixo custo. Apenas o kart, modalidade
praticamente gerenciada à parte, mostra vitalidade.
O resultado disso tudo é um mundo onde os abnegados lutam
para sobreviver e aqueles que tem posses juntam-se para praticar o esporte que
adoram sem se preocupar muito com a autoridade desportiva nacional. Se faz
necessário uma reorganização de valores e métodos de trabalho, algo que não
será possível enquanto federações (FAUs) que não têm 50 pilotos, três clubes e
promovam três modalidades de automobilismo de competição –exigências básicas
para existirem - possam votar. Até 2009 as FAUs reconhecidas tinham peso
proporcional às suas atividades, mas uma assembleia equalizou o poder de votos
de todas e permitiu ao pernambucano Cleyton Pinteiro eleger-se. Tão logo
assumiu o cargo declarou que ficaria apenas um mandato e se acorrentaria ao
portão do autódromo de Jacarepaguá, no Rio, para evitar sua demolição.
Precisa-se de alguém como o comandante Sully Sullenberger
que esteja interessado em automobilismo e que possa contribuir para o futuro do
esporte. É importante garantir boas disputas na pista e uma gestão administrativa
que saiba explorar as oportunidades que surgem nesta época de grandes
transformações no produto automóvel. E que essas decisões sejam tomadas de
maneira rápida e positivamente consequente.
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