Em 5 de julho de 1979, chegava às ruas brasileiras o
primeiro Fiat 147 a etanol. Esta data entrou para a história. A marca Fiat foi
pioneira no mundo na produção em série do motor a etanol. Apelidado de
“Cachacinha” por causa do odor característico exalado pelo escapamento, o Fiat
147 a etanol simbolizou um marco importante para a engenharia automotiva
brasileira, que a partir daquele dia 5 de julho de 1979 engatou uma marcha na
direção do desenvolvimento de tecnologias em prol de veículos mais eficientes e
menos poluentes.
Para celebrar o aniversário de quatro décadas, nada melhor que o registro da
primeira unidade do 147 a etanol acelerando na pista de testes da fábrica de
Betim (MG), exatamente como há 40 anos e como se tivesse acabado de sair da
linha de produção. O exemplar raro - que na época foi vendido para o Ministério
da Fazenda, de Brasília - faz parte nos dias de hoje do acervo de clássicos da
Fiat e está praticamente original, sem restauração. “É emocionante ver esse
carro de perto não só pela importância de ser realmente o primeiro Fiat 147 a
etanol, mas também por estar funcionando perfeitamente com todos os elementos
de época originais, como partida a frio e afogador, além de preservar a tampa
vermelha do motor e a pintura original, com direito alguns toques de batida de
porta”, afirma Robson Cotta, gerente de Engenharia Experimental da Fiat
Chrysler Automóveis (FCA).
Na Fiat desde o início da década de 1980, Cotta tem muitos motivos para se
lembrar do “Cachacinha”. “O primeiro veículo zero-km que eu comprei foi um Fiat
147 a etanol, portanto, ver em 2019 esse exemplar do primeiro carro a álcool
traz uma lembrança muito boa tanto do lado pessoal como do profissional, pelos
desafios enfrentados para desenvolver e fazer os automóveis a álcool darem
certo no país. Não só deu certo como se provou ser uma tecnologia vencedora.”
O desenvolvimento do carro a etanol
A história do Fiat 147 a etanol remonta a 1976, quando as
pesquisas e desenvolvimento do motor movido ao derivado da cana-de-açúcar
começaram – mesmo ano em que o 147 a gasolina foi lançado no Brasil,
tornando-se o primeiro carro Fiat fabricado no país. “Vivíamos a era do
Pró-Álcool, um programa nacional para combater a crise do petróleo”, lembra
Robson Cotta.
Ainda em 1976, em sua primeira participação no Salão do Automóvel de São Paulo,
a Fiat expôs um protótipo do 147 a etanol com dezenas de milhares de quilômetros
rodados. O ano seguinte foi dedicado ao aperfeiçoamento técnico do produto,
além da produção de novas unidades que foram sendo submetidas a diversos
testes.
Em 1978, a Fiat desenvolveu o motor 1.3 de 62 cv de potência e 11,5 kgfm de
torque que, durante os testes, acabou se mostrando mais adequado para o uso do
etanol que o propulsor a gasolina de 1.050 cm3, até então utilizado no 147. No
início daquele ano, três Fiat 147 a etanol foram entregues ao DNER
(Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) para serem experimentados no
policiamento da Ponte Rio-Niterói. Em setembro de 1978, um Fiat 147 100% a
etanol realizou o que viria a ser o teste definitivo para criação do primeiro
motor brasileiro a etanol: uma viagem de 12 dias e 6.800 quilômetros de
extensão pelo país, percorrendo uma média superior a 500 km diários, três mil
quilômetros por vias de terra e variações climáticas de mais de 30 graus.
No universo do automobilismo, um dos grandes feitos do Fiat 147 a etanol foi
conquistado por mulheres. Considerado o primeiro grande rali internacional
realizado no país, o Rallye Internacional do Brasil, disputado em 1979, viu o
Fiat 147 Rallye #73 da dupla feminina Anna Cambiaghi (italiana) e Dulce Nilda
Doege (brasileira) terminar em quarto lugar na classificação geral e ser o
carro brasileiro de melhor classificação na prova que teve nada menos do que
2.200 km de percurso. Elas faziam parte do Team Aseptogyl/Panthères
Roses/Concessionárias Fiat.
Entre os diferenciais, a taxa de compressão do motor 1.3 foi bastante elevada,
de 7,5:1 da versão a gasolina para 11,2:1, e a carburação passou a trabalhar
com mistura ar-combustível bem mais rica (com maior percentual de combustível).
Essa era a razão de seu maior consumo – 30% mais alto. “O propulsor ficou com
potência pouco maior que a do similar a gasolina, devido à necessidade de
conter o consumo: 62 cv brutos contra 61. Por outro lado, a
taxa de compressão mais alta favorecia o torque e, portanto, as retomadas e acelerações em baixa ou média rotação. Mas o número que realmente importava era o custo por quilômetro rodado, menos da metade da versão a gasolina, com os preços dos combustíveis na época”, destaca Cotta. O interesse do consumidor pelo Fiat 147 movido a etanol é confirmado pelos números de vendas. De 1979 a 1987, período em que foi comercializado no Brasil, foram comercializadas 120.516 unidades.
taxa de compressão mais alta favorecia o torque e, portanto, as retomadas e acelerações em baixa ou média rotação. Mas o número que realmente importava era o custo por quilômetro rodado, menos da metade da versão a gasolina, com os preços dos combustíveis na época”, destaca Cotta. O interesse do consumidor pelo Fiat 147 movido a etanol é confirmado pelos números de vendas. De 1979 a 1987, período em que foi comercializado no Brasil, foram comercializadas 120.516 unidades.
Desafios de uma nova tecnologia
Supervisor de Engenharia de Produto da FCA, Ronaldo
Ávila, que na década de 1980 trabalhava no laboratório químico da montadora,
acompanhou de perto os constantes aperfeiçoamentos do 147 a etanol. “Minha
equipe analisava as peças dos motores. Era um desafio muito grande: no início
havia oxidação. Para que viesse a funcionar com o etanol, o sistema de alimentação
como um todo [tanque de combustível, bomba, tubulações, carburador, etc.]
precisou ser mais robusto para suportar um combustível extremamente corrosivo”,
conta.
Após muitos testes, a engenharia da Fiat encontrou uma solução para proteger as
peças do motor: o uso de níquel químico. “Esse metal cria uma camada de
proteção nos componentes, inibindo as ações do etanol”, explica Ávila. Outra
providência foi a instalação de conjunto de escapamento aluminizado.
Por ser o pioneiro entre os carros a etanol, o Fiat 147 foi também o primeiro a
encarar algumas características do combustível, como o baixo poder calorífico
em relação à gasolina. Na prática, isso significava a lendária maior
dificuldade para dar a partida no motor em dias frios. “Para resolver esse
problema, a engenharia instalou o reservatório de partida a frio. Um botão no
painel do carro aciona uma bombinha igual a do lavador do para-brisa e ela
injeta no coletor de admissão uma quantidade de gasolina suficiente para dar a
partida principalmente em baixas temperaturas”, detalha Cotta.
O legado do Fiat 147 a etanol
“Na época do 147, o sistema de injeção de
combustível era o carburador, que de início não tinha um tratamento tão eficaz
para conter a corrosão do etanol. Passamos, claro, a adotar materiais que
protegessem o componente, mas ao mesmo tempo trabalhamos para atingir um outro
nível tecnológico, que passaria pelo carburador duplo até chegar à injeção
eletrônica”, lembra o supervisor da área de engenharia da Fiat, Ronaldo Ávila.
Foi justamente a tecnologia do carburador duplo que, no início dos anos 1990
trouxe mais um feito histórico para a marca: o carro 1.0 mais rápido e veloz do
mundo, o Uno Mille Brio.
A evolução do sistema de injeção melhorou a mistura de ar e combustível nos
motores. Com isso, houve ganhos significativos de desempenho e, ao mesmo tempo,
redução de consumo. Para Ronaldo Ávila, os carros atuais do grupo FCA são a
fonte certa para quem deseja observar os avanços de tecnologia alcançados em 40
anos desde a estreia do Fiat 147 a etanol. “Eles são sinônimo de eficiência
energética e contam com recursos extremamente modernos. O Fiat Toro e o Jeep
Renegade, por exemplo, dispensam o tanquinho de partida a frio graças ao
sistema de pré-aquecimento dos bicos injetores”.
Diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA, João Irineu confirma a
elevada importância do etanol para os futuros lançamentos da FCA. “O etanol
foi, é e sempre será importante para nós. É estratégico para a companhia e tem
papel muito importante na redução do efeito estufa. Começamos há 40 anos com um
sistema de carburador e hoje trabalhamos no desenvolvimento de sistema turbo,
injeção direta e uma série de outras alternativas que serão incorporadas ao
motor a etanol para melhorar o desempenho em relação ao motor a gasolina”.
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