Wagner Gonzalez |
Passeata na Paulista
Luta por melhor distribuição de
renda e melhores condições de trabalho cria movimentação inédita na F-1 e na
Stock Car brasileira. As duas categorias deverão anunciar mudanças em breve.
Não seria surpresa para esta coluna se as duas categorias do
automobilismo que mais ocupam espaço na mídia verde-amarela se juntassem para
uma passeata na Avenida Paulista. Imagine só Vijay Mallya, Monisha Kaltenborn e
Gerard Lopez empunhando cartazes pedindo mais aten$$ão de Bernie Ecclestone,
enquanto os mecânicos da Force India, Sauber e Lotus permanecem postados lado a
lado nos boxes de Interlagos, todos de braços cruzados, e apenas 12 carros saem
à pista para disputar os treinos livres do GP do Brasil… Atrás deles uma
multidão de donos de equipe, engenheiros, mecânicos, pilotos e provedores de
serviços engrossando a massa.
Até pouco tempo atrás isto seria tão surreal que nem sequer
caberia num exercício de ficção como este. Pior, poucas cabeças pensantes
poderiam juntar o circo da Stock Car à trupe da F-1: no picadeiro tupiniquim o
mar não está para peixe, e aqui não cabe nenhuma referência à estiagem que
assola vários estados como nunca antes na história deste País.
Assunto cochichado próximo de ventiladores durante o fim de
semana de Austin, onde se realizou o GP dos EUA, a possibilidade de um boicote
de três equipes moveu céus e terras, bem quase. Quando à personificação do
eufemismo “Commercial Rights Holder” admitiu que “alguma coisa está errada e
talvez o culpado seja eu” muita gente se beliscou para ter certeza que não era
um sonho ou pesadelo ouvir isso de Bernie Ecclestone. Certamente alguém também
deve ter lembrado da tática de Margareth Thatcher na Guerra das Malvinas:
enquanto a armada real britânica navegava em direção ao conflito que aquecia as
gélidas águas do Atlântico Sul, tudo era negociação diplomática. Quando as duas
forças se encontraram, uma semana depois, eclodiu o conflito e o resultado
perdura até hoje. Coincidência, os GPs dos EUA e do Brasil são separados por
sete dias e algumas conversas estão rolando….
Os contratos e as negociações na F-1 são mais ou menos como
aquela canção do Milton, guardados a sete chaves, mas do lado esquerdo do…
cofre. O jornalista inglês Joe Saward publicou esta semana que se o grid de
largada de um GP tiver menos de 16 carros o acordo entre a FIA e o tal
“Commercial Rights Holder” torna-se nulo sem qualquer cerimônia. Não importa o
fato que ainda faltam mais de oito décadas para caducar — e sim, você leu
certo: mais de 80 anos. Caso Force India, Lotus ou Sauber decidam boicotar a
corrida de domingo, quem ganhar a corrida vai dividir manchetes com essa
notícia muito mais interessante: a negociação de um novo acordo envolvendo
todos as equipes que disputam a F-1.
O que essas três equipes citadas querem é consideração e
respeito na divisão dos lucros que o circo produz. As grandes equipes —
Ferrari, Mercedes, McLaren, RBR (Toro Rosso de carona) e Williams — são as
únicas com direito a voto em um grupo de planejamento estratégico e as que
recebem a parte recheada desse bolo; não é novidade para ninguém que Maranello
pode até pegar o pedaço maior, com mais morangos na cobertura e repetir se
estiver com fome… Se a receita funcionou uma época, agora não funciona mais. E
com 12 carros o circo não entrega o que já vendeu aos promotores e televisões do
mundo para os próximos anos.
Na terra brasilis a
situação tem contornos diferentes, porém com grandes implicações financeiras
diretas e indiretas para as equipes, pilotos e patrocinadores. Em uma reunião
recente com as equipes que disputam os cinco campeonatos que promove (Stock
Car, Turismo, Marcas, Mercedes e F-3) a Vicar demonstrou através de seu
diretor, Maurício Slaviero, que considera firmemente promover todas as
categorias — no mínimo concentrar a maior quantidade possível — num evento
único de fim de semana. A medida proporcionaria um espetáculo mais atraente
para o público, que poderia assistir mais corridas num mesmo fim de semana, e
traria benefícios econômicos a essa empresa. Entre outras coisas, esse quadro
permitiria a diminuição considerável dos custos diretos (aluguel de autódromo,
custo de seguros, contratação de serviços de apoio etc.) e aumentaria
sobremaneira o poder de barganha com as prefeituras locais.
A proposta, porém, não agradou às equipes e há razões para
tal. Muitas delas diluem seus custos fixos ao utilizar suas instalações e
funcionários para participar de dois ou mais campeonatos. Se as provas forem
realizadas no mesmo fim de semana, essa prática se tornará inviável se não
forem contratados mais técnicos e engenheiros, leia-se mais custos. Para dar
mais tempero a este prato, não há no mercado profissionais experientes para
preencher essas vagas, o que significaria aumentar os salários já existentes
para garantir a melhor mão de obra.
A lista vai além: apenas o circo da Stock Car movimenta cerca
de 1.000 pessoas a cada corrida e não raro a demanda faz aumentar preços de
hotéis e passagens aéreas no fim de semana de cada etapa. Cidades como Santa
Cruz do Sul e Cascavel, por exemplo, não atendem às necessidades de alojamento
nas condições atuais, nem pensar se esse contingente crescer. Os autódromos
brasileiros, com honrosas exceções, igualmente têm infraestrutura inadequada
para receber a Stock e a categoria Turismo no mesmo fim de semana, o que
provoca calafrios em adicionar uma terceira ou quarta.
Verdade que tempos atrás era normal ver mecânicos fazendo
ajustes finais em carros de corrida estacionados na grama, até mesmo no barro.
Usar isso para justificar os lucros apenas dos promotores é tão inaceitável
quanto negar que o esporte progrediu: como fazer o alinhamento de um veículo
com o equipamento montado num piso irregular como o paddock de Tarumã ou Santa
Cruz do Sul? Se é para levar a ideia adiante, que se faça isso de maneira
gradativa e sensata, dando tempo ao sistema de se adaptar e criar profissionais
a altura da qualidade do show que se pretende vender.
Hoje em dia sequer temos pilotos para preencher as vagas:
muitos deles se destacam em duas ou mais categorias. Até agora não parece que
as necessidades das equipes e a opinião dos seus patrocinadores tenham sido
levadas em consideração. Talvez seja mesmo o caso de pegar carona na bronca da
F-1 e fazer uma passeata na Avenida Paulista. No mínimo o automobilismo
conseguiria um espaço na mídia semelhante ao que ocupava décadas passadas, algo
que nem os cartolas do esporte se preocupam mais em recuperar, tão ocupados que
estão em cobrar taxas sem dar nada, ou muito pouco, em troca.
O inglês Lewis Hamilton
deu um passo a mais rumo ao segundo título de sua carreira ao vencer pela
décima vez na temporada e aumentar para 24 pontos (316 a 292) sua vantagem
sobre Nico Rosberg, que terminou em segundo lugar. Daniel Ricciardo completou o
pódio do GP dos EUA e Felipe Massa fechou em quarto lugar. O certame prossegue
este fim de semana e termina dia 23 com a disputa do GP de Abu Dhabi, prova que
terá pontuação dupla. Isso significa que com 75 pontos em jogo o campeonato não
será decidido em Interlagos. Veja aqui todas as informações sobre a corrida disputada no Circuito
das Américas, em Austin.
WG
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