terça-feira, 14 de outubro de 2014

Wagner Gonzalez em Conversa de pista

Wagner Gonzalez
Uma corrida digna de vodka


Bebida que pode inebriar e não deixa gosto serve para descrever o primeiro GP da Rússia. Vitória de Hamilton e título de Construtores da Mercedes foram destaque de prova sem sal e sem açúcar. Os aperitivos nos balcões do paddock estavam mais saborosos que o serviço drive through.


Lewis Hamilton dominou de ponta a ponta e aumentou para 17 pontos sua liderança no Mundial de Pilotos. Com a nona dobradinha em 16 etapas já disputadas, a Mercedes garantiu seu primeiro título de Construtores: ao somar 565 pontos a equipe da fabricante alemã está fora do alcance do seu mais direto perseguidor, a Red Bull, que tem 342. O campeonato prossegue no dia 2 de novembro, com o GP dos EUA em Austin, Texas. 

Disputado em mais uma “pista” criada pelo alemão Herman Tylke, o GP da Rússia teve ares de desenho animado ao mostrar cenas de carros saindo da pista e voltando como se nada tivesse acontecido e tomadas onde as anunciadas 55 mil pessoas que foram ao circuito de Sochi pareciam estar na Sibéria, tão distante que estavam do asfalto. Pela TV o que mais se via eram grades e muros, algo típico de regimes marcados pelo autoritarismo, onde o confinamento e os limites são disfarçados por edifícios mastodôntico-modernosos. Momento filosófico deixado para trás, a corrida russa deixou várias mensagens nas entrelinhas, coisa típica dos tempos da Guerra Fria.

Destacam-se neste quesito o abandono inesperado do japonês  Kamui Kobayashi, a equipe reduzida da Sauber nas viagens fora da Europa, o adiamento da coleção 2015 dos macacões de Fernando Alonso e as disputas entre Williams e Ferrari e McLaren e Force India. Como se vê, tudo referente ao que acontece fora das pistas, o que dá uma idéia da falta de disputas em cima do asfalto e apimenta uma das silly seasons mais silly das últimas seasons. Afinal, como vem ocorrendo desde que a F-1 saiu do armário e assumiu a condição de entretenimento, as fofocas e comentários são o que mais geram declarações interessantes. Chefes de equipe e, principalmente, pilotos, cada vez se expressam em um jogral marcado pelo andamento ditado por seus patrocinadores e do abominável politicamente correto.

Desde que o malaio Tony Fernandez passou à frente os seus interesses na equipe Caterham, o futuro da equipe verde parece ter evoluído o suficiente para cair de maduro.  Primeiro foi a chegada de Colin Kolles, como representante do misterioso consórcio árabe-suíço que assumiu a equipe, a rápida passagem de Christijan Albers como diretor, posição posteriormente assumida por Manfredi Ravetto, parceiro de longa data de Kolles em outros empreendimentos não tão bem sucedidos na F-1. As finanças da equipe não andam lá muito bem: empregados acionaram a justiça britânica para receber atrasados e rescisões mal resolvidas e oficiais dessa pasta visitaram a sede da equipe pouco antes do GP do Japão para arrestar bens. A versão oficial da equipe é que se tratava de problemas com um fornecedor

Não bastasse tudo isso, Kobayashi vive a incerteza de alinhar ou não a cada GP. Já perdeu a vaga para André Lotterer em Spa-Francorchamps e cedeu seu carro para pilotos inexperientes no primeiro treino livre de outras provas. Como que a celebrar as cerejeiras que florescem com pompa e circunstância no seu país, Koba San, a cereja desse bolo, foi o oriental ter sido forçado a abandonar o GP da Rússia para poupar equipamento. Ainda que a informação oficial tenha sido superaquecimento dos freios, o nipônico admitiu que o carro estava oferecendo o desempenho normal de sempre quando recebeu ordem para recolher o CT-05 aos boxes.


Tudo indica que a Sauber está em uma situação tão crítica quanto a Caterham. Ter um patrocinador de peso nunca foi a marca registrada da equipe de Peter Sauber. Em visita ao seu endereço em Hinwill, arredores de Zurique, perguntei a ele como ele conseguia se manter na F-1 sem grandes marcas anunciadas em seus carros. Sua resposta foi sincera e realista:“Eu não sei por que as pessoas se preocupam de onde vem o dinheiro que mantém minha equipe.”

Sauber, que ontem completou 69 anos de idade, é apreciador de bons vinhos e charutos bem enrolados; talvez venha desta porção hedonística a tranqüilidade para encarar os momentos difíceis pelos quais sua equipe já passou e passa atualmente. Desta vez, porém, sua caminhada deve percorrer espaços outros que os paddocks da F-1, onde os jantares da equipe suíça eram concorridos pela gastronomia requintada. Comenta-se a sobrevivência da equipe e a manutenção dos empregos seria garantida com a volta ao mundo dos protótipos, categoria que parece ganhar consistência.

Com duas equipes convivendo com o espectro de morte iminente, a F-1 de 2015 poderá finalmente reviver o conceito de equipes com três carros, idéia regularmente relançada em momentos de crise como o atual. Face à proibição de treinos livres e à dificuldade de formar novos pilotos, a proposta ganha peso e, ainda que Ron Dennis tenha declarado que o trem que carregaria essa novidade rumo à temporada de 2015 já passou, Bernie Ecclestone está vivinho da silva para impor a novidade.

Se for preciso engordar o cheque para convencer quem precisa ser convencido, Bernie não hesitará em fazê-lo. Quando se lembra que o responsável por autorizar o gordo investimento do Banco Santander na F-1, don Emílio Botín, já não está mais entre nós e por mais que a instituição financeira espanhola tenha ares de empresa de família, o futuro dessa empresa na F-1 é desconhecido. É aqui que entra em cena, sob trilha sonora de guitarras flamencas, o futuro de Fernando Alonso; sua ida para a Scuderia foi costurada com o apoio de Botín, mas o discurso de que “farei o que for melhor para a Ferrari” voltou a ser praticado como um mantra digno de tempos de eleições.

No cenário atual de dois carros por equipe, assinar com a McLaren ou permanecer na Ferrari parecem os cenários mais prováveis, nesta ordem.  Tudo mudaria, porém, caso a proposta de aumentar esse número de dois para três vingar, a situação mudaria bastante: apesar de ser vendida com base em abrir espaço para novos valores, quem pode garantir que a Mercedes não gostaria de ter mais um piloto de ponta em suas fileiras ou que a Ferrari (com uma pequena “ajuda” de Ecclestone) não resolva manter em casa um piloto que anda declarando que faria o melhor pela Scuderia?

Famoso por tratar seus pilotos como empregados e discutir valores contratuais pelas por formas surreais (os números de um contrato de Ayrton Senna foram decididos na base do cara ou coroa), Ron Dennis sabe que terá que se superar para trazer Alonso de volta a Woking. Sem um patrocinador principal desde o início da temporada, o ex-mecânico de Jack Brabham também sabe muito bem que quanto mais posições ganhar no Campeonato dos Construtores mais gordo será o cheque que receberá da FOM (ou qualquer que seja a sigla adequada para identificar quem gerencia de fato a F-1…) no final do ano.

Nesta briga a competência e a influência política são armas tão valiosas quanto o desempenho dos pilotos das quatro equipes que disputam a terceira (Williams e Ferrari) e quinta (McLaren e Force India) posições entre os construtores. Ironicamente, a decisão está concentrada nas mãos de Toto Wolff, o bam-bam-bam da Mercedes, que fornece motores para Williams, McLaren e Force India. Garantido o título de construtores, a marca alemã certamente dará alguma atenção extra à primeira, não só para bater a Ferrari como também pelos laços entre Wolff e a equipe britânica: sua esposa, Susie, é piloto-reserva da equipe onde ele já foi um dos acionistas… Com relação às outras duas, certamente o fato da Force India prosseguir como cliente em 2015 poderá significar alguma vantagem sobre a McLaren, que terá motores Honda na próxima temporada.



Force India e McLaren disputam o quinto lugar entre os Construtores 

WG

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