terça-feira, 22 de setembro de 2015

Wagner Gonzalez em Conversa de pista


Wagner Gonzalez
Fechar ou não fechar, eis a questão


Polêmica sobre cockpits fechados na F-1 arrefece e mostra mudança dos valores que consagraram o formato de monopostos. Proposta de impor proteção para a cabeça dos pilotos cobre um santo e descobre outros, como a eficiência aerodinâmica dos carros atuais




Nos últimos anos três acidentes com carros de F-1, um na F-Indy e outro na F-2 inglesa colocaram em evidência a necessidade de melhorar a segurança passiva em torno da cabeça dos pilotos. Do corpo exposto de épocas remotas, onde a proteção maior se resumia a uma camiseta ou casaco de couro e óculos presos na cabeça por elásticos, muita coisa mudou até hoje. Uma sinfonia inacabada de melhores condições de trabalho para os pilotos fez com camisas polo deram lugar a macacões que protegem do fogo e cintos de segurança permitiram que o volante deixasse de ser um ponto de apoio. Mais recentemente, o Hans, suporte construído em fibra de carbono que restringe movimentos do pescoço e cabeça em caso de desacelerações em casos de impacto, tornou-se equipamento obrigatório.

Nesse período a morte na prática do esporte foi deixando de ser uma componente aceita naturalmente e tornou-se um elemento a ser evitado a quase qualquer custo. Superar limites de física e de tempo a cada volta deixou de ser um desafio a ser hipotecado com a vida e transformou-se numa ciência cada vez mais burocrática e cara: a busca pela próxima vitória passa cada vez mais por chips superpoderosos e simuladores híper realistas. O resultado é que nunca antes na história da F-1 um piloto tem tantas chances de sair ileso de pancadas que noutros tempos seriam literalmente catastróficas.

Na busca para aumentar ainda mais o índice de segurança passiva o acidente com Felipe Massa em 2009, na Hungria, e as mortes de Maria de Villota, Julin Bianchi, Justin Wilson e Henry Surtees reativaram paulatinamente a necessidade de criar uma proteção absoluta ou quase para a cabeça dos pilotos. Massa (2009) foi atingido por uma mola que escapou do carro de Rubens Barrichello; Villota (2012) teve afundamento facial e perdeu uma vista quando seu Marussia não desacelerou e ela bateu contra a aba de um caminhão de apoio; Bianchi (2014) saiu da pista e seu carro foi de encontro a uma grua que tirava o carro de Adrian Sutil de um local perigoso; Wilson (2015) foi atingido pelo crash box que escapou do monoposto de Sage Karam e Henry Surtees (2009) sucumbiu a um pneu que bateu em seu capacete...

Sem exceção, era virtualmente impossível prever que esses pilotos enfrentariam tais situações, assim como é visualizar todas as possibilidade de que fatos semelhantes ou ainda mais surpreendentes venham a acontecer. Dentro deste cenário poucos tem a calma suficiente para enxergar os prós e contras da adoção de cockpits fechados para evitar os prejuízos que esses e outros pilotos sofreram. Dois pontos se destacam nessa discussão: o resgate dos pilotos e a pouco comentada função

Aerodinâmica dos carros atuais.

A F-1 já testou um arremedo de cockpits fechado quando Jack Brabham testou uma carenagem em plástico transparente durante os treinos para o GP de Monza de 1967. A visão distorcida pelo formato curvo da cobertura foi a razão alegada pelo australiano para não desenvolver essa proposta. Hoje em dia a cobertura seria feita de material mais rígido, mas ainda assim a curvatura do revestimento provocaria distorções ópticas, algo que ainda hoje não seria resolvido.

Os carros do Campeonato Mundial de Endurance (WEC) usam cockpits fechados e a curvatura de seus para-brisas provocam esse mesmo efeito. Pior, para compensar o ambiente fechado e praticamente selado (necessário para melhorar a eficiência aerodinâmica) alguns modelos como o Aston Martin das classe GTe e GT4 possuem ar condicionado acionados por células de energia solar, ainda assim algo impensável para um F-1 atual. Não é difícil imaginar que ambiente fechado desse monoposto seria a câmara de claustrofobia mais rápida da superfície terrestre. Não custa lembrar a definição que o neozelandês Chris Amon deu para o lendário Ford GT40: “é a sauna mais rápida do mundo...”

Em um monopostos, tal ambiente fechado remete a um problema banal e ao equipamento usado por pilotos de jatos. Pelas dimensões reduzidas e a proximidade de fontes de calor, o cockpit fechado demandaria um eficiente sistema de ventilação interna, principalmente em corridas disputadas sob chuva, para evitar embaçamento. Já adotar o suprimento de oxigênio que ampara os pilotos de caças a jato implicaria em a) ocupar ainda mais o exíguo espaço interno de um cockpits de F-1 ou b) aumentar as dimensões do chassi.

Outro ponto importante a ser lembrado é o fato que os bipostos tem carrocerias equipadas com portas laterais, o que facilita a extração do piloto em caso de acidente. Num F-1 esta situação é pouco exequível: ocorreria a descaraterização do monoposto e implicaria em projetos de um ineditismo atroz e arriscado. Além do que, o custo de desenvolvimento e fabricação de um para-brisas semelhante ao dos aviões supersônicos seria inviável mesmo para uma equipe de F-1. Usar um modelo padrão para conseguir economia de escala também não soa atraente ou prático.

Sem portas, o cockpit obviamente seria fechado no extremo próximo ao motor, gerando dificuldades consideráveis para retirar o piloto em caso de capotamento ou choque contra uma barreira, seja ela de pneus, guard rail, concreto... Pode-se argumentar que há barcos de competição modernos com o cockpit fechado, mas o ambiente em que estas máquinas operam é outro e a célula destacável de sobrevivência seria algo pesado e complicado demais para o monopostos. A Mercedes apresentou uma alternativa: um arco com três apoios e que abre para trás, como pode ser visto neste vídeo.

Os acidentes com objetos desprendidos de outros carros é consequência indireta com a velocidade com que os carros de corrida atingem atualmente tanto em reta quanto em curvas. A aerodinâmica cada vez mais sofisticada, aliada à aderência cada vez maior oferecida pelos pneus atuais, faz com que no momento que os automóveis percam o contato com o piso ocorra uma decolagem imediata e descontrolada. Afinal, peripécias zerozerosetianas e Amphicars à parte, um carro foi concebido para operar em terra firme.

Sem o atrito com o solo, a velocidade do móvel aumenta consideravelmente e, consequentemente, a energia que vai ser gerada na hora do impacto e isto ficou claro no acidente de Suzuka 2014. Deslizando na grama molhada, praticamente sem nenhuma aderência, ao chocar contra a grua que estava no local (veja o video aqui), o Marussia de Jules Bianchi teria provocado um impacto de 254 vezes a força da gravidade, segundo informação do World Accident Database (Banco de Dados de Acidentes Mundiais) da FIA (Federação Internacional do Automóvel). Neste vídeo registrado recentemente em Burburgring, nota-se perfeitamente o que acontece quando a pressão aerodinâmica que força o carro contra o asfalto deixa de existir.

Fechar o cockpit de um monoposto traria aos pilotos maior sensação de segurança e contribuiria para aumentar a velocidade média por volta, algo que a adoção de áreas de escape asfaltadas tem colaborado bastante. Já se discute abertamente como controlar o uso desses trechos já que muitos competidores as usam como parte da pista e não como recurso de segurança. E aqui entra um novo elemento nesta discussão: o custo de se adequar automóveis e pistas às novas exigências de segurança.

Estamos falando de alterar significativamente as pistas atuais, várias delas fruto de idílios tilkenianos e das quais umas tantas já abandonadas pelo simples fato de terem surgido em países sem tradição de automobilismo. Em uma época que está cada vez mais caro manter circuitos nos padrões exigidos pela FIA para realizar provas internacionais, isso pode ser a pá de cal em muitas pistas.

Melhorar a segurança ativa e passiva de pilotos, equipes e do público é algo basilar no esporte. O que não deve acontecer é simplesmente implementar soluções simplistas para satisfazer a multidão que vive a vida nas mídias sociais. Quem sabe se em vez de cockpits fechados restringir drasticamente a aerodinâmica dos carros da F-1 e torna-la mais próxima a realidade dos modelos de rua não traga consequências mais práticas e plausíveis.

 O que eles falam


Jackie Stewart

“É preciso tomar um pouco de cuidado e não atropelar as pesquisas sobre o assunto. Há alguns tipos de acidentes onde a adoção do cockpits fechado seria uma desvantagem”






Charlie Whitting
“Já investimos muito tempo, esforço e pesquisa nesse projeto. Posso dizer que essa proteção será possível. Se a solução vai ser tão eficiente quanto o cockpit fechado de um caça, eu tenho dúvidas. Precisamos perseverar na busca pela segurança, mesmo que não seja possível proteger o piloto em todas as circunstâncias.”

Alex Wurz (Presidente da Associação dos Pilotos de Grande Prêmio):


“Eu espero que os tradicionalistas, que são numerosos no automobilismo, aceitem que o esporte evolui e que já trilhamos um longo, longo caminho para tornar os carros mais seguros. Todavia, podemos fazer ainda mais, o que que seria muito para o esporte e para a indústria do automobilismo.”



WG 

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