terça-feira, 28 de julho de 2020

WAGNER GONZALEZ em Conversa de pista

Wagner Gonzalez
Dois mundos, duas medidas, uma fórmula

São Paulo discute cancelamento do GP do Brasil em Interlagos enquanto Silverstone foca 2021 e lança condomínio de luxo.

Enquanto em São Paulo discute-se a renovação do contrato que garante permanência do GP do Brasil em Interlagos, e até mesmo da realização da própria corrida, os administradores de Silverstone trabalham com um planejamento que inclui os dois próximos GPs desta temporada (que serão disputados sem público), já vendem os ingressos para a etapa de 2021 e acabam de lançar um empreendimento imobiliário que vai construir apartamentos de luxo em uma área com vista para as curvas Maggots e Becketts (foto de abertura/Escapade Living). Como as duas próximas etapas do Campeonato Mundial acontecem nesse autódromo nos próximos dois fins de semana, os corretores locais certamente estarão bem ocupados e não tão preocupados quanto o organizador do GP do Brasil, que ameaça processar a Liberty Media por causa do cancelamento da corrida em Interlagos, competição que estava marcada para 15 de novembro.

Responsável pelo evento há várias décadas, o húngaro Tamas Rohonyi, declarou ontem que a justificativa dada pela Liberty Media para cancelar a corrida não se encaixa nas cláusulas que constam no contrato que garante a realização do GP no Brasil. Rohonyi disse ainda que o prejuízo sofrido pela cidade de São Paulo e por sua empresa são enormes e usou a expressão “é uma pancada no fígado muito forte”,  conforme publicado pelo Estado ontem. Ele tem seus motivos para pensar assim. Em certa ocasião admitiu a este colunista que a competição representava o único cliente de sua agência de promoções. 

Conhecido pela frieza e objetividade com que comanda seu negócio, Tamas agora vive a experiência de estar do outro lado do balcão ao negociar com Chase Carey, com quem admite ter uma boa relação tão boa a ponto de ter sido seu anfitrião em algumas oportunidades.

“O que eu aprendi com o Chase Carey é que ele é muito frio e profissional”, declarou o húngaro, que emendou lembrando que “todas as negociações que ele fez até hoje foram fechadas no último minuto”. Dito isso, ainda que num contexto que envolve a possível transferência do GP para um autódromo inexistente no Rio de Janeiro, é de se estranhar porque Rohonyi admitiu ter sido surpreendido pela decisão tardia da Liberty Media em cancelar a corrida brasileira. Não bastasse seu relacionamento próximo com o executivo norte-americano, tal possibilidade era assunto há muito explorado na imprensa especializada. Por via das dúvidas, a venda de ingressos para o GP do Brasil deste ano sequer foi iniciada, ao contrário do que acontece normalmente.

A realidade dos fatos sugere que o cenário desse cancelamento é bem diferente do que sugerem declarações e decisões tornadas públicas até agora, incluída aquela que é cada vez mais comum: o vilão Coronavírus. Tamas é aliado de primeira hora de Bernie Ecclestone; atualmente persona non grata no ambiente da F-1. O  empresário inglês foi nomeado “presidente de honra” após vender o controle da categoria para a empresa de Carey, só que na ocasião não se falou que a honraria não era hereditária, nem mesmo vitalícia. Dois anos mais tarde, em janeiro deste ano, Ecclestone descobriu que o título já tinha ultrapassado o seu prazo de validade.

A corrida brasileira está longe de ser a que gera os maiores lucros para a categoria, nem por isso deixa de ser importante para os donos do negócio. Único evento do calendário na América do Sul, ela contribui para consolidar o status “mundial” do produto e atende aos grandes patrocinadores e anunciantes envolvidos no negócio. O que mudou no cenário é que agora Ecclestone e Rohonyi não comandam o roteiro como em outros tempos. Mais, os valores e métodos praticados mudaram a ponto de afetar o relacionamento com a TV Globo e a maneira como o produto F-1 é veiculado.

O tempo que a simples transmissão da prova bastava para proporcionar uma boa experiência a entusiastas e neófitos há muito acabou e a emissora brasileira rechaçou o modelo praticado por suas congêneres internacionais.


Pior, o modelo de negócios atual envolve serviços extras como pacotes de informação que permitem acompanhar a corrida de uma forma inimaginável se comparada com a primeira vez que se viu um GP na TV brasileira, fruto de um visionário Antônio Carlos Scavone. Não é exagero afirmar que, excetuando-se a qualidade das imagens, trata-se do mesmo formato off tube que a casa oferece há anos. Poucos conseguem enxergar que essa história vai muito além do cancelamento da corrida deste ano e da renovação do contrato atual. De quebra, em clima de Black Friday brasileira, não falta quem tente insistir que é apenas isso.

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