Wagner Gonzalez |
São Paulo discute cancelamento do GP do Brasil em Interlagos enquanto Silverstone foca 2021 e lança condomínio de luxo.
Enquanto em São Paulo discute-se a renovação do contrato
que garante permanência do GP do Brasil em Interlagos, e até mesmo da
realização da própria corrida, os administradores de Silverstone trabalham com
um planejamento que inclui os dois próximos GPs desta temporada (que serão
disputados sem público), já vendem os ingressos para a etapa de 2021 e acabam
de lançar um empreendimento imobiliário que vai construir apartamentos de luxo
em uma área com vista para as curvas Maggots e Becketts (foto de abertura/Escapade
Living). Como as duas próximas etapas do Campeonato Mundial acontecem nesse
autódromo nos próximos dois fins de semana, os corretores locais certamente
estarão bem ocupados e não tão preocupados quanto o organizador do GP do
Brasil, que ameaça processar a Liberty Media por causa do cancelamento da
corrida em Interlagos, competição que estava marcada para 15 de novembro.
Responsável pelo evento há várias décadas, o húngaro
Tamas Rohonyi, declarou ontem que a justificativa dada pela Liberty Media para
cancelar a corrida não se encaixa nas cláusulas que constam no contrato que
garante a realização do GP no Brasil. Rohonyi disse ainda que o prejuízo
sofrido pela cidade de São Paulo e por sua empresa são enormes e usou a
expressão “é uma pancada no fígado muito forte”, conforme publicado
pelo Estado ontem.
Ele tem seus motivos para pensar assim. Em certa ocasião admitiu a este
colunista que a competição representava o único cliente de sua agência de
promoções.
Conhecido pela frieza e objetividade com que comanda seu
negócio, Tamas agora vive a experiência de estar do outro lado do balcão ao
negociar com Chase Carey, com quem admite ter uma boa relação tão boa a ponto
de ter sido seu anfitrião em algumas oportunidades.
“O que eu aprendi com o Chase Carey é que ele é muito
frio e profissional”, declarou o húngaro, que emendou lembrando que “todas as
negociações que ele fez até hoje foram fechadas no último minuto”. Dito isso,
ainda que num contexto que envolve a possível transferência do GP para um
autódromo inexistente no Rio de Janeiro, é de se estranhar porque Rohonyi
admitiu ter sido surpreendido pela decisão tardia da Liberty Media em cancelar
a corrida brasileira. Não bastasse seu relacionamento próximo com o executivo
norte-americano, tal possibilidade era assunto há muito explorado na imprensa especializada.
Por via das dúvidas, a venda de ingressos para o GP do Brasil deste ano sequer
foi iniciada, ao contrário do que acontece normalmente.
A realidade dos fatos sugere que o cenário desse
cancelamento é bem diferente do que sugerem declarações e decisões tornadas
públicas até agora, incluída aquela que é cada vez mais comum: o vilão
Coronavírus. Tamas é aliado de primeira hora de Bernie Ecclestone; atualmente
persona non grata no ambiente da F-1. O empresário inglês foi nomeado
“presidente de honra” após vender o controle da categoria para a empresa de
Carey, só que na ocasião não se falou que a honraria não era hereditária, nem
mesmo vitalícia. Dois anos mais tarde, em janeiro deste ano, Ecclestone
descobriu que o título já tinha ultrapassado o seu prazo de validade.
A corrida brasileira está longe de ser a que gera os
maiores lucros para a categoria, nem por isso deixa de ser importante para os
donos do negócio. Único evento do calendário na América do Sul, ela contribui
para consolidar o status “mundial” do produto e atende aos grandes
patrocinadores e anunciantes envolvidos no negócio. O que mudou no cenário é
que agora Ecclestone e Rohonyi não comandam o roteiro como em outros tempos.
Mais, os valores e métodos praticados mudaram a ponto de afetar o
relacionamento com a TV Globo e a maneira como o produto F-1 é veiculado.
O tempo que a simples transmissão da prova bastava para
proporcionar uma boa experiência a entusiastas e neófitos há muito acabou e a
emissora brasileira rechaçou o modelo praticado por suas congêneres
internacionais.
Pior, o modelo de negócios atual envolve serviços extras
como pacotes de informação que permitem acompanhar a corrida de uma forma
inimaginável se comparada com a primeira vez que se viu um GP na TV brasileira,
fruto de um visionário Antônio Carlos Scavone. Não é exagero afirmar que,
excetuando-se a qualidade das imagens, trata-se do mesmo formato off tube que a casa oferece há
anos. Poucos conseguem enxergar que essa história vai muito além do
cancelamento da corrida deste ano e da renovação do contrato atual. De quebra,
em clima de Black Friday brasileira, não falta quem tente insistir que é apenas
isso.
Excelente análise.
ResponderExcluirari rocha
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