quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Roberto Nasser - De carro por aí


Coluna 5214 - 24.12.2014  edita@rnasser.com.br  


Um ano para lembrar
2014 não foi ótimo, nem foi péssimo. Seus resultados finais apenas não repetiram o caminho ascensional dos seis anteriores, e os 9% perdidos em vendas tem a ver com a indigesta combinação. Misturaram-se o menor número de dias úteis, com a falta de competência gerencial do país, apenas superada pela Argentina. Copa do Mundo e eleições, e todos os dias em seu entorno, dividiram atenções e bolsos. O descontrole da economia forçou aumento de juros, redução do prazo de funcionamento, filtros menores para aprovar cadastros, auxiliaram a puxar o mercado para baixo. Ainda assim os meios, instalações, insumos e mercado forte em autopeças e demanda garantiram resultados impossíveis de serem criticados: fazer 3,3 milhões de veículos é coisa para gente grande.

No sobe e desce de mercado e vendas já fomos maiores. Terminamos 2014 sem saber se fomos superados pelo ascendente México, desfrutando de bom projeto industrial, aberto a acordos comerciais externos, colhendo os resultados na recuperação econômica do mercado estadunidense, seu cliente maior.

Queda em demanda não significa pasmo. A indústria automobilística, numa imagem, é como um transatlântico manobrando. Mesmo decidindo parar ou dar marcha à ré, ainda assim a grande massa se move para a frente. As reações são lentas. Na prática, os investimentos programados são mantidos pois seu espectro de tempo atende a estudos com maior prazo, incluindo construção de fábricas, projetos para produtos e agregados, lançamento de veículos. A indústria – do automóvel e bens duráveis de elevado valor – não considera o presente. A pequena janela temporal não inibe planos estudados durante prazo maior. Os R$ 50 bilhões anunciados para aplicação em três anos, foram e estão mantidos.

2015 deverá ser igual ou levemente superior a 2014; 2016 pequeno salto, nivelando-se aos resultados de 2013. Crescimento, 2017.

Como foi
Caso da Coluna, imodestamente foi ótimo. Não quantificadas antecipações de informações, análises corretas, corajosas – como vaticinar, para surpresa de jornalistas europeus, que o então apresentado VW XL1 não passava do demonstrar poder pessoal maior do presidente do Conselho da VWAG, de desenvolver componentes para conseguir consumo em torno de um número mágico: 100 km/litro. Depois, permear os ganhos tecnológicos a outros produtos, ajudando a Volkswagen a abrir caminho para aumentar economia e diminuir emissões, tudo dentro do projeto de ser líder mundial em 2018. Acertou.

Também, ocasião de verbalizar opinião em eventos internacionais, e participar de indicações de produtos e motores em dois prêmios internacionais e um brasileiro. Se 2013 se encerrou contabilizando em torno de nunca imaginados 5 milhões de leitores, e veiculada em 23 veículos impressos e eletrônicos, 2014

fez melhor, mudando números: arranhamos 10M de leitores com publicação em  28 meios de imprensa. Balanço resumido, faltou um item importante: não consegui dirigir o AMG GT – apesar de presente ao lançamento na Alemanha.

Mercado
Internamente o conjunto de números mostra contração. Vendas domésticas caíram em torno de 9%; exportações baixaram mais. Em motos números aproximados, porém a caracterização maior é a mudança de perfil de produtos. Os de menor cilindrada, de maior presença, têm sido ofuscados pelo crescimento das marcas famosas, de motos maiores e mais caras, aportando ao mercado, com montagem nos favorecimentos da Zona Franca de Manaus.

Lá fora
Na indústria foi ano de novidades. Começou com a surpresa da centenária e familiarmente controlada Peugeot pedir água e aporte de capital para socorrer o caixa. Outra surpresa, a rapidez de decisão do governo francês em socorre-la, adquirindo 15% de suas cotas, para impedir de a chinesa Dongfeng, também presente na adesão, superar o quantitativo de ações da família Peugeot, assumindo o mando da empresa. Na área, empresa faz cortes porém mantém investimentos, mas reduziu acordos com a GM para dividir plataformas e motores. Medida para mostrar-se viva, ativa e de volta à competição no mercado, fez da linha DS, antes modelos Citroën, nova marca.

Novidade tecnológica e industrial foi trazida pela Ford, aplicando na cabine e carroceria 70% em alumínio em seu produto mais vendido, o picape F 150, em nome de baixar peso total, obedecer regras e patamares de consumo e emissões.

Alargou a trilha de outros fabricantes em espectro menor, aplicando-o em carrocerias especiais, como o Audi A8, e suspensões. Utilizá-lo em veículo apto a suportar trabalho duro facilita a outros fabricantes incrementar percentuais de uso – como pretende a Jeep na próxima edição do Wrangler.

No caminho das surpresas, a Fiat SpA, a matriz italiana, conseguiu negociar e assumir a totalidade das ações da norte americana Chrysler LLC. Somou o caixa da Chrysler com o da Fiat e criou holding, a FCA, sede na Holanda, ações na Bolsa de Londres. Pagou, no total, US$ 6,3 bilhões pela companhia. Barato. A antiga dona, empresa de participações Cerberus LLC comprara 80% da Chrysler à Daimler, por US$ 7,4B. E esta assumira o controle acionário pagando US$ 36B.

Da Fiat, outra surpresa maior: colocou em sinuca Luca de Montezemolo, há décadas bom presidente da Ferrari, fazendo-o sair. E, inimaginado, colocou ações de tal mito no mercado, para fazer caixa e subsidiar os custos de novos projetos. Dona das mágicas, mudou o nome das empresas regionais e, nos EUA, berço da Chrysler, suprimida da razão social. Agora é FCA US. Aqui, FCA Latam (de Latin America).

Mercedes surpreendeu em 2014 com o GLA derivado da plataforma de entrada no mercado. Também, com o novo Classe C, extremamente bem dotado e identidade focada no insuperado Classe S. Arrematou o ano lançando o AMG GT, esportivo com plataforma e carroceria em alumínio, valente para concorrer com Porsche 911. A Mercedes quer números, lucros, voltar à liderança dentre automóveis alemães.


Aqui
Disputa mais acirrada em 2014 foi entre o VW Gol, líder de vendas à 27 anos, e o Fiat Palio, surpreendendo ao assumir a liderança, mantendo-a por seis meses.
Não se sabe quem venderam mais. Vésperas do Natal VW fez pacote em vendas corporativas e promocionais e ultrapassou o Palio em 900 unidades. Fechará o ano como o mais vendido? Ou a Fiat terá carta guardada para virar o jogo?
Colocados contra a parede, peitados por um adicional de impostos, fabricantes alemães – exceto Porsche -, passaram o ano implantando fábricas no Brasil. Na prática pequenas montadoras, produtos com pouca nacionalização, baixa quantidade, resultado do projeto oficial Inovar-Auto para conseguir ter preço no mercado interno. Farão grandes lucros.


No mercado de importados Audi cresceu mais, com produtos bem escolhidos e atrevimento comercial. O modelo A3 sedan com motor 1.4 e preço em torno dos R$ 100 mil ajudou a acelerar crescimento de 105% em relação a 2013.



Mercedes passou período ruim, sem produtos entre o fim da geração anterior do C e a chegada da nova, mas vendeu 25% mais. No projeto de abrasileirar-se BMW foi mais ágil e inaugurou sua pequena fábrica em Santa Catarina. Montagem com pouca nacionalização – carrocerias vem da Alemanha montadas e pintadas. Cresceu pouco em vendas, porém manteve a liderança dentre as marcas alemãs em instalação.

Em Jacareí, SP, fábrica inaugurada, dificuldades com mão de obra, a chinesa Chery iniciou produzir e estocar o Celler. Quer vende-lo a partir de janeiro.
Grupo SHC, representante da também chinesa JAC conseguiu montar fórmula com a matriz chinesa passando-lhes 2/3 do capital da fábrica a ser feita em Camaçari, Ba. Diz, novo sócio assinará contrato de financiamento com novo governo baiano e erigirá fábrica em um ano. Grupo SHC mantém, 1/3 da fábrica e toda a distribuição.

Outra chinesa gaguejou, tossiu, parou e deu marcha a ré. A Geely iniciou costurar acordos para montar automóveis da marca no Uruguai, vender no Brasil, mas não viabilizou o principal: rede de revendedores. Quem, de sã consciência, quer investir mínimos R$ 3 milhões para montar loja para vender pequenas quantidades? O grupo Gandini, importador, deu uma travada geral no projeto. Sobrou até para o advogado Ivan Fonseca e Silva, ex presidente da Ford, emprestando aval institucional ao exercer a presidência da Geely.

Land Rover Jaguar finalmente soltou o freio de mão e fixou pedra fundamental de fábrica a ser construída em Itatiaia, RJ. Land Rover convive com o rótulo de Carro do Mal Feito. Nos governos petistas um Defender foi presente a Silvinho Land Rover, orgulhoso corrupto agraciado com modelo da marca, e recentemente o mal afamado Paulo Roberto Costa, levou modelo Evoque do poderoso doleiro  Alberto Youssef.

Em produto
Novidades locais, ano rico. Começou com o up!, corajosa quebra de parâmetros pela Volkswagen, mudando conceitos de construção e de motorização, três cilindros, 1.ooo cm3, e 80 cv, motor em alumínio, conjunto muito bem acertado.
Para fazer o up! a VW foi instada a mudar motores, atualizando-se como o 1.0 de três cilindros, logo em seguida o EA 211, quatro cilindros, e a novidade a ser vista neste ano, o primeiro com injeção direta de combustível, turbo – aliás, furo da Coluna. Além do up! e dos novos motores, aprimoramento dos processos e capacidade de produção do picape Saveiro, agora incluindo versão cabine dupla.

Da marca, o fim do Golf geração 4 e ½, parte da política de internacionalização – produzir veículos iguais aos das outras usinas da empresa pelo mundo.
Outro lançamento, longo parto, inúmeras apresentações de pedaços, o Ford Ka, projetado na Bahia, produção prevista a outros mercados em desenvolvimento, os BRICS. Ford também aderiu ao motor de três cilindros, embora com bloco em ferro, aplicando-o ao Ka e sedã K+. Motores Ford são os mais modernos do país.

Preferência popular redesenhou a operação Peugeot, preferindo versões luxuosas, desprezando as de menor preço e equipamentos. Daí, marca acabou com as mais simples, equipou-as, refinou-as. Quer vende-las como carros de charme, saindo das faixas iniciais de preço e lucro menores. Vender menos, ganhar mais.


Outra marca da PSA, a Citroën também mudou por decisão do público. Seu modelo C4 Lounge com mix projetado de 70% do motor 2.000 aspirado e 30% do 1.6 injeção direta e turbo, sofreu inversão por demanda do público. Agora 70% turbo e 30% aspirado. Citroën desenvolveu versão flex para o turbo.



Renault encerrou a ampliação de sua fábrica, aumentou capacidade industrial e voltou a crescer baseada nos produtos sobre plataforma Dacia – Logus, Duster e Sandero. Cortou para si 7% do bolo do mercado. Quer mais. Em 2015 lançará pick up  médio anabolizado.

Associada Nissan inaugurou fábrica em Resende, RJ, fazendo o modelo de entrada March em duas versões, atualizada e antiga. Percalços, dificuldades com o mercado, acontecimentos exigindo rápidas respostas, mas não comprometem o projeto maior de querer 5% das vendas.

Japonesas Toyota e Honda foram-se bem. Primeira, cortando preço e fazendo pequenas mudanças no Etios. Tirou-o da condição de mico, mas não consegue posição de liderança como os outros produtos da marca. Na Honda sorri-se: Fit e City renovados cresceram nas vendas.

Mitsubishi iniciou montar o sedã Lancer no Brasil. Conteúdo maior, preço menor.

Paralelo
Gasolina mudou de formulação, para ser menos poluente. Álcool, combustível renovável, em crise, atrelado ao seu preço. E esta, oriunda de petróleo, cujo preço caiu quase 50% em três anos – US$ 110 a US$ 60. O valor pode inviabilizar o Pré Sal.

Em termos de tecnologia aplicada ao conforto dos usuários, dois programas tiveram sucesso em 2014. Por aplicativo gratuito o Easy Taxi localiza o taxi mais próximo, indica o tempo a chegar até o cliente, permite pagar eletronicamente por cartão. Ideia boa atraiu investidores estrangeiros.


Também, o CittaMobi facilita a vida: aplicativo gratuito para celular, fornece horários de ônibus, horário de chegada ao ponto onde está o usuário, soa alarme para o usuário saber se vai descer, em um ano opera em doze cidades. Aplicativo especial faz o indicativo para pessoas sem visão.

Lado oficial
Sem projeto, governo é lento em medidas. Sem direção a seguir, apenas costura remendos na colcha de retalhos dos problemas diuturnos, a indústria de autopeças sob controle nacional foi-se, assumida pelas concorrentes estrangeiras. O índice de nacionalização se esvai, com incalculável percentual hoje importado e, junto, a capacidade de competir – a barreira tributária imposta aos veículos importados, não protege a indústria local - apenas incentiva a falta de produtividade. Resultado, nossos veículos só conseguem ser exportados com desvalorização do dólar.

Proposta de revitalização do mercado interno teve proposta de Thomas Schmall, presidente da Volkswagen: renovação de frota. Sem notícias.

A queda de importações, pela redução da produção interna e vendas ao exterior, desbalanceou em US$ 8,6B. Para facilitar, Governo Federal listou 111 grupo de peças para fazer veículos - automóveis, caminhões, tratores -, reduzindo imposto de importação, da média de 15% para 2%. Debate-se, abrindo mão de receita, para manter o setor vivo. Não fala em política setorial, objetivos a ser cumpridos, não se incentiva maior desenvolvimento de componentes, nem se imagina porque, ou se explica o demérito institucional de, dentre os maiores, ser o único país sem um reles veículo de projeto e construção nacional. Coréia, China, Índia, começando depois, conseguiram faze-los.

A política de refrear relações comerciais, sem agilidade para fazer acordos internacionais, de manter o olhar curto, focando no Mercosul, e a tentativa pelo Inovar-Auto, de aumentar a produção local, mesmo com enorme conteúdo importado, gerou decisão de investigação internacional no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Acusam o país de praticar medidas protecionistas no citado programa. Se consideradas procedentes, países autores poderão impor sobre taxação a produtos brasileiros.

Curioso, no rol dos reclamantes está a Argentina, grosseira praticante dos mesmos atos.

Em matéria esportiva boas notícias. Ascendente Filipe Nasr chegou à Fórmula 1, e Rubinho Barrichello, dela aposentado, foi campeão em Stock Car. Gabriel Medina surpreendeu ganhando o inédito Mundial de Surf. Jovem, mas safo. Não esperou a inexistente ajuda oficial das verbas desaparecidas. Quis, preparou-se, foi e venceu.

Registro importante, o DVD Homem-carro, sobre a criativa vida de Anísio Campos – piloto, empresário do automobilismo, designer prolífico, pintor, escultor de automóveis, amigo generoso, grande personalidade.
Antigomobilismo sofreu mudança em seus principais eventos do Sudeste. O Encontro de Lindóia mudou-se para Campos do Jordão, e quando se imaginava o evento perdido, outro preencheu o espaço. Agora serão dois. Colecionadores de Alfa 2300, integrantes do grupo AlfaRomeoBR mostraram fidelidade à paixão: fizeram périplo incluindo o espaço onde foi a Fábrica Nacional de Motores e à da Fiat, onde o modelo foi produzido.

Como cultura do automóvel se expande em participantes, criação de clubes, em estruturas de restauração, movimento superior à inércia da Federação do setor.
Falta de reclamação e demanda por uma política talvez indique seja a imobilidade o desejo de todos.

Boa novidade foi a aquisição pelos passofundenses irmãos Azambuja, do imóvel onde operou o Museu Anos Dourados, em Canela, RS. Ampliado o espaço, será reinaugurado expondo acervo próprio. Detém a melhor coleção de nacionais.
Continua a novela do Museu Nacional do Automóvel, em Brasília, peitando o governo federal na Justiça, para impedir o Ministério dos Transportes remova o acervo para colocar no espaço, como diz, “arquivo morto de órgão extinto.” A promessa do governo do DF em levá-lo ao ocioso espaço do multi milionário estádio de futebol ficou na promessa. A direção do Museu acredita na renovação do governo local substituindo a inconsequência do PT.

Em resumo
Dificuldades consideradas apenas pelo ângulo do prejuízo são apenas perdas, e estas devem ser assim lançadas na sua contabilidade pessoal do último dia do ano. Perdeu, está perdido. Valem as experiências.

Nossos problemas econômicos não tem, como prioritariamente alegado pelos governos, origem estrangeira. O problema está aqui, no despreparo, no foco diverso ao que deveria ser feito, na sobrevivência do sistema, no enriquecimento ilícito. E isto só mudará, e o país, o espetáculo, apenas melhorará se cada um dos pagantes reclamar da qualidade do espetáculo.  


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