Interlagos: FASP vira o jogo
Promessa do prefeito não pode ser cumprida, MPE é
acionado
Os responsáveis pela comissão Interlagos Hoje bem que
tentaram: durante todo o ano de 2017 buscaram calmamente debater o futuro de
Interlagos mas não conseguiram completar uma volta sequer pelo circuito
paulistano.
Enquanto defendiam o legado e a importância da pista com a paixão e
a razão de quem conhece todas as curvas do clássico traçado de 7.960 metros, o
prefeito João Dória Júnior e seus assessores diretos, e em particular o líder
da Câmara Municipal, o vereador Milton Leite, optaram por ficar parados no
paddock prometendo algo que não têm condição de entregar ou sequer edificar. O
resultado é que na última quarta-feira a Fasp decidiu virar o jogo: Sergio
Berti e o Dr. David Chien protocolaram no Ministério Público do Estado de São
Paulo (MPE) uma petição onde questionam os planos de Dória Jr. para por fim ao
complexo de Interlagos. Sérgio Berti, conhecido por sua oratória eloquente, é
taxativo:
“Nós entendemos que as propostas apresentadas pelo
prefeito João Dória Júnior carecem de fundamento básico: sua promessa de
privatizar Interlagos e garantir a continuidade do uso para o qual o circuito
foi construído não encontra respaldo legal. Uma vez tornado propriedade
particular não há lei que garanta essa promessa.”
Praticamente nascido e criado na região de Interlagos,
Berti é um dos criadores do movimento “Interlagos Hoje”, surgido e estruturado
na sede da Federação de Automobilismo de São Paulo. O grupo se reúne
regularmente e ao longo dos últimos 12 meses ganhou peso e importância. A prova
disso é que a petição protocolada no MPE paulista sob número 0005458/2018 pode
levar o nome da Fasp como identificação do interessado, mas reúne todas as
quatro entidades oficiais que representam o esporte a motor em São Paulo: as
federações paulistas e as confederações brasileiras de automobilismo e
motociclismo. Ainda que não sejam inimigas, quem acompanha as modalidades sabe
muito bem como é raro uma união desse tipo.
Mais do que isso: a CBA deverá replicar a mesma tática
junto ao Ministério Público Federal, o que certamente dificultará os planos de
Dória e, em especial Milton Leite, em transformar a área do Complexo de
Interlagos em um gigantesco empreendimento imobiliário. O advogado David Chien
consolida a calma e a frieza orientais ao explicar pausadamente seu
entendimento do Projeto de Lei 01-00705/2017 que a Câmara Municipal paulistana
aprovou em primeira instância ignorando por completo o rito e as exigências de
praxe para tal:
“Nós acreditamos que o assunto tem ampla base para que o
Ministério Público do Estado de São Paulo se oponha ao Projeto de Lei, tomando
as medidas legais cabíveis. A votação em primeira instância não passou pela
Comissão de Constituição e Justiça e após analisarmos esse documento entendemos
que não há garantia legal suficiente para proteger o Complexo de Interlagos e
seu uso para o esporte a motor.”
Chien vai além e explica que o processo e as promessas
emanadas pelas declarações e ações das autoridades são demonstrações que
fundamentam ainda mais a petição:
“Nós concluímos que além de buscar autorizar a venda do
Autódromo e do Kartódromo, esse Projeto de Lei prevê a desafetação do bem
público, retirando-lhes a destinação específica ao interesse da sociedade
civil. Ou seja, uma vez transformado em bem privado não há como garantir que o
autódromo continue sendo usado como local para a prática do esporte a motor.
Além disso as atividades praticadas no local têm importância cultural, social e
científica, sem deixar de lado a relevância histórica do local”.
É no mínimo curioso porque João Dória Júnior, confesso
defensor da iniciativa privada, jamais foi claro nas suas declarações sobre o
que realmente pretende fazer com o complexo de Interlagos. Uma fora fala em
privatizar, outra em desestatizar. A alegação que a manutenção do parque custa
R$ 200 milhões anuais e gera prejuízo é infundada e irreal: durante o período
que o esporte a motor nacional e a indústria de shows utilizam o autódromo,
cerca de nove meses por ano, o balanço é significativamente positivo. As
despesas feitas para receber o GP do Brasil de F-1, porém, são custeadas pelos
cofres públicos e estão longe de atender às necessidades dos eventos nacionais
e regionais, muito pelo contrário.
Não são poucas as histórias e as estórias que mencionam
atos, contratos e obras discutíveis no autódromo de Interlagos. O fechamento da
escolinha de mecânica, por exemplo, retirou dos jovens da população local a
possibilidade de ganhar conhecimento e reconhecimento: não são poucos os que,
dentre os 3 mil alunos formados por professores do Senai, conseguiram empregos
em equipes de competição ou em indústrias voltadas ao automóvel. Volta e meia
vem à baila o caso de um estudante que se destacou a ponto de conseguir um
emprego na fábrica da Ferrari, na Itália. Coincidência ou não o antigo local da
administração, o prédio construído na encosta do lado externo da antiga curva
do Sol, foi dado como condenado: sua construção não levou em consideração a
formação geológica do local. Assim, usar a instalação da escola foi uma solução
pratica para uns poucos e extremamente péssima para muitos que vivem no entorno
do autódromo.
Silverstone, autódromo que surgiu no final da II Guerra a
partir das três pistas de uma base aérea militar, é um exemplo de pista que
vive problemas semelhantes, mas que busca soluções diferentes. A propriedade é
administrada pelo BRDC (Clube dos Pilotos Britânicos de Competição na sigla em
inglês) e nos últimos anos sofreu várias intervenções para explorar suas
possibilidades comerciais, que incluem desde escolas de pilotagem para várias
modalidades até hangaragem de helicópteros.
Ao final deste ano, porém, o traçado de Northamptonshire
pode ficar fora do calendário da F-1: o BRDC não concorda com as taxas que a
Liberty Media demanda para manter o GP da Grã-Bretanha no local e já deixou
claro que apesar da importância do evento para a região que concentra a maioria
absoluta das equipes da F-1, o preço pedido não se justifica.
Ainda que não tenhamos um clube com a tradição do BRDC,
ceder a administração de Interlagos a um grupo de empresários bem sucedidos e
com paixão pelo esporte, ou a uma entidade como a Anfavea (que reúne os fabricantes
de veículos automotores) tem tudo para ser a salvação da lavoura. Tal solução
virá naturalmente quando o alcaide paulistano dedicar à Interlagos uma dose de
atenção empresarial e apolítica, algo que permitirá que nomes e associações se
apresentem e resolvam uma dor de cabeça que Dória Júnior vive com intensidade
que aumenta a cada dia. Aí então o complexo esportivo que reúne praças de
esporte para a população local, o autódromo José Carlos Pace e o Kartódromo
Ayrton Senna será usado para o fim ao qual foi construído. Melhor ainda: vai
gerar lucro tanto social quanto financeiro e a história do automobilismo
brasileiro não perderá as suas páginas mais importantes
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