AMÉRICA,
CONTINENTE DE CONTRASTES
Nos últimos dias os brasileiros que curtem automobilismo
puderam notar com clareza os contrastes que existem entre o norte e o sul do
continente americano.
Em Daytona, viveu-se um verdadeiro nirvana com uma das
provas de 24 horas mais disputadas de todos os tempos: a diferença entre o
primeiro e segundo colocados na geral – dois protótipos Cadillac VR DPI – foi
de meros 8/10 de segundo e na categoria GTLM quatro marcas – Ford, Porsche,
Ferrari e Corvette – ficaram separadas por menos de cinco segundos.
Enquanto isso, no Brasil, a abertura do Campeonato
Paulista de Velocidade no Asfalto aconteceu em um autódromo de Interlagos
repleto de categorias, mas com problemas por demais conhecidos por quem pratica
o esporte, por quem organiza os eventos e por quem administra o local. Não
bastasse o cenário que provoca um profundo questionamento sobre a forma de
gestão do circuito paulistano, a Confederação Brasileira de Automobilismo anunciou, no
final da tarde de ontem (30/1),
que procura um promotor para o Campeonato Brasileiro de Formula Truck de… 2017.
Negócio que envolve investimentos cada vez mais caros e
estruturados, o automobilismo cobra organização e coerência para vender sucesso
e lucro. Exemplos dessa premissa são a nova categoria Daytona Prototype
International (DPI) da IMSA e a vitória do Ford GT, projetos pensados,
aprovados e implementados ao longo de anos. No que toca à marca do oval azul,
seu mais recente modelo GT estreou nesse traçado da Flórida no ano passado e
mostrou um desempenho medíocre para as expectativas de todos. Meses depois Chip
Ganassi voltou de Le Mans com o troféu de vencedor em sua categoria e agora
repete o resultado em casa. A Imsa elaborou um regulamento para renovar a
competitividade das categorias de resistência e o resultado foi uma nova
distribuição de forças na classe principal de um calendário que engloba vários
campeonatos, todos eles bem estruturados promocional e comercialmente. Ali há
opções para vários orçamentos, níveis de profissionalismo e dedicação
convivendo pacificamente.
Entre nós também temos algo que parece até planejado
pelas ações da comunidade automobilística: sem promoção, união ou foco, há
tempos o paddock de Interlagos recebe todo o público que se digna assistir
algum evento do calendário paulista. Enquanto isso, as arquibancadas que já
consagraram ídolos e atraíram torcedores e amigos seguem vazias. Gente disposta
a pagar ingresso existe: no fim de semana passado qualquer um ganhava acesso ao
box pela módica quantia de R$ 30 por um dia ou R$ 50 pelo fim de semana. Lá
dentro tinha direito a ver amigos, pilotos e flanar entre crianças percorrendo
o local de skate ou pequenas motocicletas. Filiados à Federação de
Automobilismo de São Paulo (FASP) podiam entrar com a identificação esportiva
de 2016, posto que as “carteirinhas”de 2017 ainda não ficaram prontas.
Pior do que isso foi ver nomes que justificam a
existência de Interlagos, como Francisco Lameirão ou Wilson Fittipaldi Jr.
(acompanhado de dois pilotos estrangeiros convidados a participar da prova de
F-Vê), barrados na entrada do box. Quando baluartes do esporte são barrados não
se pode simplesmente alegar que “o segurança não tem obrigação de saber quem é
o Chiquinho ou quem é o Wilsinho”. Se a organização do evento e seus promotores
tem preocupações mais importantes que credenciar quem de direito, a FASP
poderia demonstrar que está interessada em trabalhar em prol do esporte
paulista e providenciar uma identificação anual para quem trabalha a favor do
automobilismo. Um gesto pequeno que renderia grandes louros à entidade da rua
Luis Góis, 718.
Ainda mais difícil de entender em tal cenário é saber
porque como se aceita um
aumento superior a 200% no preço do aluguel do
autódromo que, entre outros problemas, não tem alvará de funcionamento, exige
que seus usuários aluguem geradores para garantir a energia elétrica do local,
alguns banheiros não tem iluminação ou ventilação e sequer existe um local
adequado para o serviço de cronometragem e direção de prova,
serviços essenciais e fundamentais em qualquer autódromo. Os clubes
filiados à Fasp já reclamaram dessa situação junto à SPTuris e há um grupo
independente trabalhando para construir uma agenda positiva de trabalho junto à
nova administração da cidade. A julgar pelo número de jovens e automóveis que
participaram do track day na tarde de domingo, é bom que aqueles que
precisam de votos para se sustentar notem que há muitos eleitores que praticam
automobilismo em São Paulo.
Se parece difícil resolver os problemas do automobilismo
paulista, a Confederação Brasileira de Automobilismo se mostra eficiente em
criar outros de nível nacional ao anunciar que procura um promotor para o
Campeonato Brasileiro de F-Truck desta temporada. Como que jogando gasolina ao
fogo, falta cerca de mês e meio para a primeira prova do calendário divulgado pela empresa que criou e consolidou
a categoria. Há tempos se comentava reservadamente que a relação entre a CBA e
Neusa Félix, a responsável pela F-Truck, não vivia um set up dos
melhores; mais, esses rumores vinham acompanhados de que Felipe Giaffone ou a
Vicar/Time4Fun estariam interessados em assumir o evento. Comenta-se também que
a promotora teria conversado diretamente com a Confederação Sulamericana de Automobilismo
(Codasur) para promover etapas na Argentina e Uruguai, manobra que tempos atrás
garantia a campeonatos continentais a isenção do pagamento de certas taxas
nacionais.
A falta de diálogo entre autoridade e promotor acabou por
criar um ambiente em que todos perdem, em especial as equipes e os
profissionais que vivem em função da categoria. A crise que afeta o mercado de
caminhões é talvez a maior que o setor já viveu, o que enfraquece o lado da
F-Truck enquanto negócio; do canto oposto, a decisão de divulgar publicamente
que não está disposta a renovar sua chancela à categoria reforça que o
relacionamento com a autoridade desportiva sobrevive em regime de coma
induzido.
Os dirigentes e organizadores brasileiros não precisam
sequer estudar o que aconteceu nos Estados Unidos quando o circo da F-Indy
rachou e foi criada a F-Cart: até mesmo as 500 Milhas de Indianapolis (uma das
provas mais importantes no esporte em todo o mundo) sofreu com isso, a ponto de
sequer preencher o tradicional grid de 33 carros. Para facilitar o lado do
poder, posto que muitos dos cartolas brasileiros tem parcos ou nenhum
conhecimento da língua inglesa, a pesquisa sobre o que acontece quando se
permite chegar a um ponto de ruptura dentro de uma categoria poderia se
restringir à GT3 de uma década atrás ou à F-Vê, categoria agora gourmetizada
para F-Vee. Esta última começou forte mas sucumbiu a vaidades e preciosismos e
hoje briga para superar a própria cria, a F-1600.
A chapa vencedora das recentes eleições da CBA só será
empossada em março, mas já coleciona vários problemas dignos de soluções
urgentes. Se faltam exemplos para justificar esta previsão, lembremos que o prêmio de R$
200 mil para o campeão brasileiro de kart de 2016 na categoria
Sudam, verba destinada a disputar a temporada de F-3, ainda está para ser
entregue. Com fevereiro de 2017 chegando em poucas horas, nem o gaúcho Pedro
Goulart, que conquistou o título, e nem seus contemporâneos que sonhavam em
enfrenta-lo nessa categoria sequer sabem se nesta temporada haverá F-3 no
Brasil.
WG
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