Wagner Gonzalez |
Circuito mais badalado de toda a temporada da Fórmula 1 —
a foto da corrida monegasca acima não deixa dúvida disso para ninguém — Mônaco
também se torna cada vez mais famoso pela quantidade e rapidez com que exala
rumores e planta factoides. Rosberg, Montezemolo e o próprio traçado histórico
das ruas de Monte Carlo são alguns dos tópicos que ajudarão a consumir o bom
vinho rosé de Bandol, particularmente na noite de quinta-feira próxima.
Tudo
porque a sexta-feira em Mônaco é sem treinos, outra peculiaridade do território
dos Grimaldi, e faz com que todo o paddock pratique o salutar hábito de
confraternizar sem hora para pedir a saideira. Aliás, muitos nem sequer a
pedem, ficam circulando de rodinha em rodinha em busca de informações, exceto
os mais abastados, que muitas vezes sequer saem de seus luxuosos iates
ancorados o mais perto possível do alcance das câmeras de TV.
A Costa Azul desde há muito é um espaço marcado por
disputas, batalhas e que tais. A própria Família Grimaldi, mandatária do
pequeno principado desde o século XIII, tem ramificações que ainda alimentam
esperanças de mudar o status quo do poder local. Enquanto o lobo não vem, segue
o baile na gafieira, se é que o popular termo pode ser empregado neste paraíso
fiscal sem constrangimentos ou infrações aos padrões comportamentais dessa
cidade-estado incrustada na montanha próxima à fronteira entre França e Itália.
O baile, deve ser lembrado, tem ritmos para gostos variados, mas o
automobilismo domina as paradas de sucesso: em pleno inverno há o Rali de Monte
Carlo, ou Monte Carlo Rally que a pompa exige, palco de batalhas políticas
entre franceses e o resto do mundo, a mais famosa delas envolvendo os Minis de
raiz, aqueles criados por Alec Issigonis (1906-1988), grego nascido na Turquia
e consagrado na Inglaterra, verdadeiro cidadão do mundo automobilístico que
recebeu da Rainha o título de Sir. Veja mais sobre o criador e sua
criatura clicando
aqui.
Consta que na edição de 1966 a BMC, que lançou o Mini
original, investiu pesado na vitória e armou para que jornalistas convidados
vivessem a experiência do rali de maneira mais intensa e fizessem o trajeto da
prova com antecedência mínima em relação às provas especiais. O pulo do gato
era que jornalistas que iam com integrantes da equipe oficial recolhiam notas
sobre as condições do trajeto, facilitando a escolha de pneus e outros detalhes
de acerto.
A vitória foi alcançada, mas os comissários desportivos
desclassificaram a equipe inglesa — os três Minis haviam chegado em 1º, 2º e
3º! — alegando que as lâmpadas dos faróis não estavam de acordo com a
legislação rodoviária, que exigia lâmpadas halógenas de dois filamentos e os
Minis estavam com as de um só filamento nos seus faróis auxiliares de longo
alcance, e que para rodar nas vias públicas — e parte do rali as inclui —
teriam que estar com as capas dos faróis colocadas. O quarto colocado, o Lotus
Cortina de Roger Clark, foi desclassificado pelo mesmo motivo. O clima de
marmelada foi tamanho que os “vencedores oficiais” — os finlandeses Pauli
Toivonen e Ensio Mikander (Citroën ID) —, simularam uma crise glicêmica e
sequer apareceram para a premiação; até o Príncipe Rainier foi contaminado e
abandonou a cerimônia antes do horário previsto.
Na F-1 os brasileiros — e muitos estrangeiros —,
comparariam o episódio com o final do GP de 1984, quando o diretor de prova, o
belga Jackie Ickx, interrompeu a prova na volta em que Ayrton Senna ultrapassou
Alain Prost. Como nesses casos a classificação final considera a volta
anterior, Prost saiu vencedor na corrida em que os pontos valeram pela metade;
uma volta a mais e ele receberia seis pontos pelo segundo lugar. Na prova final
da temporada, em Portugal, o francês novamente dividiu o pódio com Senna e
Lauda, que sagrou-se campeão mundial por meio ponto de vantagem…
Mônaco sobre rodas vai muito além do rali e da F-1: o
programa sempre inclui várias categorias de suporte — este ano são a GP2, a
F-Renault 2.0 e a Porsche Cup —, e nos tempos áureos da F-3 a etapa monegasca
era considerada um verdadeiro campeonato mundial. Como a montagem do traçado é
custosa e afeta bastante a circulação viária, esse investimento é amortizado
com a organização de um fim de semana dedicado a F-1 e carros esporte
históricos de várias épocas, evento sempre realizado duas semanas antes do GP.
Por tabela, casas de leilões como a Sotheby’s e a Bonhams aproveitam o clima e
oferecem joias e algumas bijuterias motorizadas. Este ano a primeira categoria
teve como destaques um Benetton B191/191B, chassi B-06; o novo proprietário
arrematou o carro que foi pilotado por Michael Schumacher, Nélson Piquet e
Martin Brundle pela bagatela equivalente a R$ 4,2 milhões.
Nem tudo isso será assunto neste fim de semana. As
estrepolias de Hamilton, a pseudofrieza de Rosberg, a maciez dos inéditos
Pirelli ultra-soft, o oportunismo infinito de Luca de Montezemolo e a eterna
demanda por mais espaço imobiliário são assuntos mais quentes, palpitantes.
Lewis Hamilton nunca foi exatamente um profissional do
tipo certinho, muito pelo contrário, e esta característica está sendo explorada
ao máximo nos últimos tempos. Embora sua ausência nos treinos livres de
Barcelona estivesse prevista, ela acabou gerando controvérsias à italiana:
inicialmente o inglês seria substituído pelo francês Esteban Ocon, mas quem
pilotou o Mercedes no segundo dia foi o alemão Pascal Wehrleim, mensagem não
tão subliminar de que o novo protegido da casa alemã pode ser promovido à
equipe principal.
Intervalo, e o segundo ato abre com a reprise do acidente com
Nico Rosberg na primeira volta do GP da Espanha, roteiro suficiente para a
imprensa italiana “descobrir” um incidente envolvendo fotografias roubadas em
uma discoteca em Cannes onde o protagonista é o atual bicampeão mundial… Uma
pitada de sal e três de pepperoncino e, pronto, abbiamo un titolo: “Hamilton
pode ficar fora de Mônaco”.
Não é de hoje que a imprensa italiana força um pouco a
situação e o fato de que até a meia-noite de ontem o assunto não era sequer
mencionado pelos sites e publicações inglesas — ainda que tendenciosas aos seus
patrícios, ainda é a mais séria na cobertura da F-1 —, pode-se ver pouco mais
que uma forçada de barra nas manchetes italianas. Certamente ter colocado
Wehrleim para testar foi um recado para Hamilton colocar seus óculos sem grau
de molho; a possibilidade de ter se envolvido em uma nova noitada alegre não
seria vista como uma homenagem à memória do patrício James Hunt. Somando tudo e
fazendo a prova dos nove, Hamilton, definitivamente, já virou alvo de paparazzi
de foto…e aqueles também de texto.
Rosberg, do seu lado, mantém-se tão gélido quanto se
espera de um alemão filho de finlandês. Seu nome já começou a circular como
bola da vez na lista de futuras contratações da Ferrari. Aliás, se a Ferrari
contratasse metade dos pilotos que são anunciados como garantidos, levando-se
em consideração negociações reais que não deram certo, como Valteri Bottas, o
grid da F-1 seria 30% maior. Isso ajuda a explicar porque repentinamente o nome
Luca Di Montezemolo voltou a circular no noticiário da F-1.
Atual presidente da Alitalia, o executivo preferido de
Enzo Ferrari, jamais deixará de ser associado à Scuderia, particularmente em um
momento em que Maurizio Arrivabene começa a viver sua primeira grande crise à
frente da “Gestione Sportiva”, como o departamento de competição de Maranello é
conhecido. A possibilidade de Sergio Marcchione — o “CEO”da FCA e da Ferrari —,
promover o retorno da Alfa Romeo à F-1, reforça as chances de uma reaproximação
entre ambos e pavimentar o retorno de Montezemolo a esse universo.
Para muitos essa notícia não tem aderência sequer
comparável à proporcionada pelo novo composto da Pirelli, o ultra-soft,
identificado por inscrições em roxo no flanco. Extremamente macia — daí o nome
ultra soft —, essa especificação é reservada para circuitos peculiares onde a
velocidade média é das mais baixas. Aliás, se a especulação imobiliária seguir
forte como sempre, é até possível que Mônaco deixe de ser a Mônaco lenta e
travada que se conhece há décadas.
Um dos projetos prevê aumentar a extensão da
área atual do principado ( 2 km²) criando um bairro sobre o o mar e outro, a criação de um
museu na região próxima ao paddock atual. O primeiro poderia facilitar a
extensão do circuito atual e até mesmo acabar com a peculiar escassez de pontos
de ultrapassagem e o segundo, reorganizar, mais uma vez, a montagem da
infraestrutura de TV e do paddock das categorias de suporte.
Tudo isso vai gerar muita conversa, mas o assunto
principal ganhará contornos visíveis na disputa da classificação (sábado, entre
9h00 e 10h00, horário de Brasília) e nas duas horas de prova, a partir das 9h00
de domingo, sem dúvida a que oferece as maiores emoções da temporada. Em nenhum
outro circuito a margem de erro é tão crítica, os acidentes são mais constantes
e as vitórias surpreendentes mais corriqueiras. Sem esquecer, é claro, dos
rumores, celebridades instantâneas, aristocratas (falidos ou não…), e a ilusão
típica de paraíso, ainda que se trate de um paraíso fiscal…
WG
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